A inserção em nota fiscal de base de cálculo diferente da especificada na legislação de recolhimento do ICMS, mesmo no regime da substituição tributária, configura o crime previsto no artigo 1º, inciso II da Lei 8.137/1990. A conduta não pode ser caracterizada como mera inadimplência fiscal.

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso em Habeas Corpus ajuizado por integrantes de um esquema responsável por fraudar a tributação estadual em Minas Gerais no montante de R$ 70 milhões.

O pedido da defesa era para o trancamento da ação penal. A alegação é de que o crime tributário foi presumido e que a denúncia oferecida pelo Ministério Público de Minas Gerais, na verdade, narra a ocorrência de mera inadimplência fiscal. Por unanimidade de votos, a 6ª Turma manteve a persecução penal.

O que é ICMS-ST?
O caso trata da cobrança do ICMS por substituição tributária (ICMS-ST). Nesse formato, o primeiro agente da cadeia de produção recolhe antecipadamente todo o tributo que seria pago até o produto chegar ao consumidor final. Para isso, ele estima o valor da última venda. Os demais integrantes da cadeia não pagam ICMS-ST, mas arcam com o custo financeiro do tributo, que é repassado.

Se o produto, por algum motivo (extravio, roubo, inutilização etc) não chegar ao consumidor final, quem pagou o tributo terá direito à restituição total do valor. E se o valor da última venda for superestimado pelo contribuinte, ele terá direito à restituição da parte que pagou a mais.

Por outro lado, se o valor for subestimado, o débito fiscal vai ser quantificado pelo Fisco e vai gerar procedimento administrativo, no qual o contribuinte terá a oportunidade de se defender. E se após isso o débito ainda persistir, a conduta será tipificada como crime por fraudar a fiscalização tributária.

A materialidade do delito só ocorre com o lançamento definitivo do débito fiscal. Esse é o marco que indica que o valor fraudado foi discutido administrativamente e confirmado. A Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal orienta que, antes disso, não há crime contra a ordem tributária.

Crime ou inadimplência?
Para a 6ª Turma do STJ, todo esse cenário indica que, apesar de o recolhimento do ICMS-ST se dar por base presumida e envolver um sistema complexo, não há risco de o réu ser condenado erroneamente se a denúncia se basear em lançamento definitivo do débito fiscal, em observância à Súmula 24.

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Para ministro Schietti, respeito à Súmula 24 do STF garante que réu não será condenado erroneamente pelo crime tributário
José Alberto

Para a ocorrência da sonegação fiscal, é preciso a existência de obrigação jurídica tributária descumprida por conduta dolosa — no caso, fraude à fiscalização mediante inserção de elementos inexatos — e a efetiva redução do imposto, apurada e concretizada em processo administrativo fiscal e em lançamento definitivo.

Esse é exatamente o caso dos autos, em que uma empresa de cosméticos, perfumaria, artigos de higiene pessoal com sede em Ribeirão Preto (SP) transferia seus produtos de maneira fictícia para a filial de Arceburgo (MG), de maneira a aproveitar de uma alíquota de substituição tributária mais favorável em Minas Gerais do que em São Paulo.

E ao recolher o ICMS-ST ao Fisco mineiro, a empresa ainda subfaturava o valor dos produtos, declarando valores muito inferiores aos realmente praticados no mercado. A conduta persistiu de janeiro de 2006 a agosto de 2008 e causou desfalque de R$ 70 milhões aos cofres públicos.

É crime
Ao STJ, a defesa dos réus apontou que não há crime porque, no regime da substituição tributária, o recolhimento se dá fato gerador presumido. Logo, o que se tem é a mera possibilidade de ocorrência da lesão aos cofres públicos. Sustentou também que a denúncia narra a ocorrência de inadimplência fiscal.

Relator, o ministro Rogerio Schietti apontou que o débito fiscal e o efetivo prejuízo ao erário estão comprovados lançamento definitivo do débito tributário, valor que inclusive está inscrito em dívida ativa. No caso, foi identificado o ardil para suprimir do Fisco o próprio conhecimento da obrigação tributária.

“Quantificou-se e existe prova material do imposto que deixou de ser recolhido em prejuízo ao Erário por meio processo administrativo submetido ao contraditório e à ampla defesa, no qual os interessados tiveram ampla oportunidade de comprovar eventual fato gerador presumido não realizado”, afirmou o relator.

“Se os recorrentes não o fizeram, não podem, em Habeas Corpus, alegar o direito líquido e certo ao trancamento do exercício da ação penal porque, talvez, não tenha ocorrido a venda futura ao consumidor final das mercadorias que saíram do estabelecimento do contribuinte”, apontou.

Em voto-vista, o ministro Sebastião Reis Júnior concordou e acrescentou que a apuração da existência de um suposto esquema para a supressão do pagamento do imposto ao fisco demanda que as condutas sejam confirmadas ou afastadas mediante a competente instrução criminal. Logo, não cabe ao STJ trancar a ação.

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RHC 117.012

Via Conjur