Há aproximadamente três meses o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela não incidência do ICMS sobre operações de licenciamento de uso de software, qualquer que seja o tipo do software comercializado (prateleira, customizável ou customizado)[1]. Porém, segundo o ministro Dias Toffoli na ocasião, as discussões sobre a tributação dos bens digitais não estariam encerradas, tendo em vista que o assunto seria analisado em suas outras nuances na ADI 5.958/DF.

Essa ADI teria por objetivo dar interpretação conforme à constituição federal à legislação do ICMS e, com isso, visava a declaração da inconstitucionalidade do Convênio ICMS n° 106/2017, para afastar qualquer possível incidência do ICMS sobre operações com bens digitais, incluindo-se softwares.

Em 8/3/2021, a relatora deste processo, a ministra Cármen Lúcia, julgou a ação prejudicada tendo em vista o julgamento das ações do software, por entender que a questão de mérito relativa à tributação dessas operações teria sido resolvida no julgamento das ADIs do software. Essa decisão transitou em julgado em 31.3.2021.

Um ponto que chamou atenção na decisão da ministra Cármen Lúcia foi a declaração expressa de que o Convênio ICMS 106/2017 perdeu sua eficácia jurídica desde daquele julgamento [especificamente, do julgamento da ADI 5.659/MG], por se tratar de ato regulamentador do art. 2º da Lei Complementar n. 87/1996, editado com base na interpretação tida como inconstitucional por este Supremo Tribunal”.

Embora seja uma decisão singular, que pode não colocar fim à discussão sobre a tributação dos bens digitais, essa manifestação do STF certamente trará dificuldades adicionais para os estados exigirem o ICMS e o cumprimento de obrigações acessórias com base no Convênio ICMS 106/2017.

Isso porque, ao declarar a ineficácia jurídica do Convênio ICMS 106/2017, o STF acaba por invalidá-lo e, consequentemente, todos os atos que se fundamentam no referido convênio.

Por exemplo, no estado de São Paulo, existe uma regra que isenta as operações com bens e mercadorias digitais, comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados, anteriores à saída destinada ao consumidor final, e condiciona tal isenção até enquanto vigorar o Convênio ICMS 106/2017. Essa regra, a nosso ver, está revogada com a decisão da ministra Carmén Lúcia, que declarou a ineficácia do Convênio ICMS 106/2017 diante do julgamento das ADIs sobre a tributação dos softwares.

Ainda é possível encontrar outro exemplo no estado de São Paulo: as autoridades estaduais possuem entendimento de que as operações com e-books, embora imunes, estão sujeitas à emissão de nota fiscal eletrônica (NFe) nas operações de venda a consumidor final, conforme art. 2° da Portaria CAT n° 24/2018 (vide Resposta à Consulta n° 19.663/2019), que regula as operações com bens digitais realizadas por meio de transferência eletrônica de dados.

Embora esse dispositivo não faça referência expressa ao Convênio ICMS 106/2017, existem elementos que indicam que ele foi editado à luz do referido convênio, o que pode reforçar os argumentos dos contribuintes contra a aplicação de multas pelas autoridades fiscais se não forem emitidas NFe nessas operações – diante da decisão do STF.

Claro que não se pode descartar a possibilidade de que, com a declaração de ineficácia do convênio, as autoridades fiscais passem a adotar interpretações alternativas, com base em outros dispositivos da legislação do ICMS, para justificar a cobrança do imposto sobre operações com bens digitais.

Mas é certo que as decisões nas ADIs do software e a recente decisão da Cármen Lúcia, declarando a ineficácia do Convênio ICMS 106/2017, são passos adicionais para afastar a incidência do ICMS sobre essas operações e confirmar a tributação de tais operações pelo ISS quando houver previsão na respectiva lista de serviços.

Via Jota