Duas propostas que ganharam destaque nas últimas semanas são um exemplo claro de como não se deve fazer política tributária.

A primeira é a redução da contribuição sobre a folha de salários do setor de saúde, visando a compensar o impacto da fixação de um piso salarial nacional para os enfermeiros. A tributação da folha de salários no Brasil de fato é elevada, mas a pior forma de resolver esse problema é por meio de desonerações setoriais.

Tributos bem desenhados são uniformes para todos os setores. Quando se desonera um setor, e não os demais, cria-se uma série de distorções, a começar pelo problema da classificação. A necessidade de classificação quase sempre leva ao litígio tributário, pois o normal é que os contribuintes e o Fisco divirjam sobre quem está dentro ou fora do setor beneficiado.

Adicionalmente, tratamentos setoriais diferenciados quase sempre levam a distorções na forma de organização da economia, pois as empresas se estruturam de forma a reduzir seu custo tributário, ainda que à custa de menor eficiência produtiva.

Que os políticos proponham saídas como essa até é compreensível. O que é difícil de entender é que a medida conte, segundo a imprensa, com o apoio do ministro da Economia, que também está sugerindo a tributação dos dividendos recebidos pelos “super-ricos” para financiar o aumento permanente do Auxílio Brasil, além da redução da alíquota incidente sobre o lucro nas empresas.

Embora a proposta do ministro não seja clara, aparentemente ele está defendendo o projeto aprovado na Câmara dos Deputados (ainda não apreciado pelo Senado Federal), pelo qual dividendos distribuídos por empresas com lucro até R$ 4,8 milhões por ano (R$ 400 mil por mês) seriam isentos.

A aprovação desse projeto seria um enorme erro, pois reduziria ainda mais a tributação da renda de profissionais de altos rendimentos que hoje já são pouco tributados (ver a respeito meu artigo de 2 de agosto, neste espaço).

Adicionalmente, a mudança estimularia a fragmentação de empresas com faturamento de dezenas de milhões de reais em empresas com faturamento até R$ 4,8 milhões, gerando ainda mais distorções na economia.

Sou favorável à tributação na distribuição de dividendos. Mas essa mudança, assim como qualquer outra mudança no sistema tributário, tem de ser baseada em análises técnicas, e não em palavras de ordem.

Fonte: Estadão Conteúdo