Prevista na Constituição, a taxação esbarra na falta de vontade política dos governos e dos congressistas, que seriam atingidos pelo novo imposto

Em 1989, o então senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB) propôs a regulamentação de um tributo federal previsto na Constituição. O projeto era o imposto sobre grandes fortunas. De lá para cá, mais de 26 anos depois, a mesma pauta foi apresentada no Congresso Nacional por pelo menos dez parlamentares, de diferentes partidos: PT, PSOL, PV, PCdoB, PPS, além do próprio PSDB. O imposto, no entanto, nunca chegou a ser votado. Agora, diante da necessidade de um ajuste fiscal para equilibrar as contas, o governo federal cogita ressuscitar a proposta. Mas será que, desta vez, o imposto avança?

“Eu pago para ver”, ironiza a ex-deputada federal Luciana Genro (PSOL-RS). A ex-parlamentar, candidata à Presidência em 2014, é autora, ao lado dos deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e Ivan Valente (PSOL-SP), de um projeto de lei de 2008 que trata da taxação de patrimônios. “Acho realmente muito difícil que isso [aprovação do imposto] aconteça. Se acontecer, vou aplaudir, mas acho muito difícil que o governo tenha vontade política para levar isso adiante”.

A falta de vontade política atribuída por Luciana Genro ao governo é baseada na quantidade de vezes em que o a gestão petista teve oportunidade de negociar a entrada da pauta em votação. Depois de quase ser colocado em votação em 2010, o projeto de Genro foi arquivado em 2011. No ano seguinte, acabou desarquivado e ficou pronto para votação em plenário novamente, o que não aconteceu. “Hoje a lógica é de proteger o grande capital e sacrificar o assalariado. A maior parte da tributação é sobre salário e consumo. E a tributação sobre a riqueza é muito pequena”, explica ex-deputada sobre a importância do projeto.

Atualmente o projeto do PSOL tramita com outras oito propostas iguais apensadas. Várias delas são do PT, uma indicação de que o governo, mesmo discordando dos valores propostos pelo PSOL, poderia ter levado o tema adiante com um texto do próprio partido. Uma das propostas foi elaborada em conjunto por nove deputados petistas e apresentada em 2012. O próprio líder do projeto, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), admite que o assunto é “tabu”. Segundo ele, a explicação para o tema não ter se tornado uma bandeira da legenda nos últimos anos era a situação econômica do País.

“Esse modelo que tínhamos antes dava para todos ganharem. Ganhavam os pobres, ganhavam os ricos. Nesse modelo que temos agora, na minha opinião, precisamos buscar mais justiça social”, afirma o deputado.

A falta de vontade política antecede em muito a chegada do PT ao poder. O caso mais emblemático é o do projeto de FHC. A proposta do ex-presidente está pronta para ser votada há 15 anos. Ele próprio teve oportunidade de fazer acordos para votar a proposta quando ainda estava no Palácio do Planalto. Recentemente, questionado sobre o assunto, o tucano culpou o Ministério da Fazenda pelo fato da proposta ter ficado estacionada. “No meu período, as confusões eram muito grandes, havia muita dívida dos estados e qualquer medida que se tomasse nesse sentido podia levar a uma fuga de capitais. Além do mais, a Fazenda sempre se opôs à proposta por seu aspecto confiscatório”, minimizou em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo.

Mas para Amir Khair, mestre em Finanças Públicas e especialista no assunto, o impeditivo que explica a pouca vontade da maioria dos parlamentares é na verdade o próprio perfil econômico do Congresso. “Por que o Congresso não aprova? Porque os congressistas quase sem exceção seriam atingidos por essa tributação. Eles não aprovam nenhuma mudança tributária que os atinja. Essa é a razão central pelo fato de, ao longo de todos esses anos, não ter sido regulamentado o imposto sobre grandes fortunas”, opina.

O que é de fato uma grande fortuna?

Ainda que tenha vontade política para debater o imposto sobre grande fortunas, o governo deverá enfrentar também resistência na questão das valores patrimoniais que seriam taxadas em uma eventual aprovação do tributo. O projeto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, estabelece a taxação sobre patrimônios de, pelo menos, 2 milhões de cruzados novos. Em valores atualizados,  a proposta atingiria pessoas com pouco mais de um milhão de reais em bens. Mas, assim como não levou o projeto para frente, o tucano também recuou, recentemente, dos valores estipulados por ele mesmo. “Este imposto, do jeito que está, prejudicaria somente a classe média que não tem meios de escapar do Fisco”.

Amir Khair discorda. “Com patrimônios de cerca de um milhão de reais você já tira dessa tributação 95% ou 98% da população brasileira. Então essa tributação vai incidir em 2% ou 5% da população”, afirma segundo os resultados de seus cálculos. “Ao estabelecer essa tributação, você não precisa colocar alíquotas elevadas. Essas alíquotas podem ficar no nível de 1% no máximo e ter, ainda assim, esse potencial de arrecadação que eu falei, com 100 bilhões de reais/ano”, defende.

Se o governo usar como base o projeto de seus próprios deputados, o imposto deve atingir bem menos milionários do que os contabilizados nas contas do especialista. Na proposta que tem como líder o deputado Paulo Teixeira, por exemplo, os petistas sugerem que a tributação deva incidir apenas sobre pessoas cuja a riqueza seja avaliada em pelo menos 12 milhões de reais. O resultado desse recorte resultaria, nas estimativas dos parlamentares, em uma arrecadação de 6 bilhões de reais por ano.

Para Luciana Genro, os valores não importam tanto quanto a necessidade do imposto sobre grandes fortunas ser aprovado junto de uma mudança na estrutura tributária brasileira. “A proposta de imposto sobre grandes fortunas está no bojo de outras mudanças tributárias. O imposto sobre grandes fortunas é muito importante e simbólico, e pode trazer de fato uma arrecadação importante, mas não é digamos assim a solução para todos males. Ele é parte dessa, digamos assim, revolução da estrutura tributária que precisa ser feita para realmente fazermos justiça fiscal.”

Fonte: Carta Capital