Autoridades brasileiras apenas obtiveram respostas positivas em 22,5% dos casos em que utilizaram o MLAT, afirmou ministro

O ministro Gilmar Mendes votou, nesta quinta-feira (29/9), pela constitucionalidade do acordo de cooperação internacional assinado entre o Brasil e os Estados Unidos para o compartilhamento de dados de usuários armazenados por empresas multinacionais de tecnologia. Porém, destacou que essa não deve ser a única forma de a Justiça brasileira obter informações sobre comunicações privadas em caso de investigação judicial. Assim as autoridades brasileiras podem se valer de outros meios como a intimação direta das empresas no Brasil ou carta rogatória. A discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) ocorre na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 51 e Gilmar Mendes é o relator.

Até o momento apenas o relator e o ministro André Mendonça votaram. O julgamento continua na próxima sessão (5/10).

Em seu voto, Mendes também ponderou que o STF deve informar sobre a decisão tomada aos Poderes Legislativo e Executivo, para que adotem as “providências necessárias ao aperfeiçoamento do quadro legislativo, com a discussão e a aprovação do projeto da Lei Geral de Proteção de Dados para Fins Penais (LGPD Penal) e de novos acordos bilaterais ou multilaterais para a obtenção de dados e comunicações eletrônicas, como, por exemplo, a celebração do Acordo Executivo definido a partir do Cloud Act”.

A ADC 51 foi ajuizada pela Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro Nacional), que pede ao Supremo que confirme a constitucionalidade do Decreto Executivo Federal 3.810/2001, que promulgou o Acordo de Assistência Judiciário-Penal entre o Brasil e os Estados Unidos (Mutual Legal Assistance Treaty – “MLAT”) e, assim, que ele seja o caminho utilizado pelas autoridades brasileiras para se conseguir informações sobre comunicações privadas de usuários.

De um lado, o Ministério Público defende que restringir o acesso dos dados de usuários hospedados no exterior via acordo bilateral pode impactar na velocidade das investigações e na própria soberania nacional, ao ter que submeter a outro país a decisão de repassar ou não informações importantes para as investigações brasileiras. Por outro lado, as empresas de tecnologia defendem que há risco à segurança dos dados dos clientes e pode haver descumprimentos da legislação do país sede da empresa.

O pedido da Assespro vem após distintas decisões que tribunais e magistrados brasileiros têm dado para obter acesso a provas importantes para investigações criminais, muitas delas buscando caminhos alternativos ao MLAT, ou seja, intimando diretamente as empresas no Brasil, ou por carta rogatória, sem recorrer ao acordo. De acordo com o MLAT, as requisições de dados devem ser feitas entre o Ministério da Justiça do Brasil e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Para fundamentar o seu voto, Gilmar Mendes lembrou que os dados mostram que as autoridades brasileiras apenas obtiveram respostas positivas em 22,5% dos casos em que utilizaram o MLAT para conseguir as informações. “O que reforça a conclusão dos representantes do Poder Executivo e do Ministério Público no que se refere ao baixo índice de efetividade desses pedidos de assistência jurídica enviados aos Estados Unidos para a quebra de sigilo de dados ou obtenção de informações telemáticas”.

“Entendo que as referidas hipóteses de requisição reafirmam os princípios da soberania e da independência nacional (art. 1º, I e art. 4º, I da CF/88), concretizando o dever do Estado de proteger os direitos fundamentais e a segurança pública dos cidadãos brasileiros ou residentes no país”, complementou.

O ministro André Mendonça votou na sequência pelo não conhecimento da ação, isto é, para ele, o tema não deve ser julgado pelo Supremo porque a associação que ajuizou a ação não teria legitimidade. Além disso, Mendonça entendeu que não há contradição nem ações judiciais suficientes para justificar o tipo de ação proposta: declaratória de constitucionalidade (ADC).

Sustentações orais

O advogado da Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro Nacional) e ex-ministro do Supremo, Carlos Ayres Britto, defendeu, em sustentação oral, que o MLAT é uma política pública de Estado, de caráter permanente e que os dados dos usuários devem ser protegidos.

“É preciso lembrar que nem em estado de sítio o sigilo de dados é explicitamente afastado, isto é, se atentarmos bem para a Constituição Federal em termos de sigilo de dados, o que perceberemos? Que até as comunicações telegráficas, telefônicas, correspondências, tudo pode ser afastado em estado de sítio, menos a comunicação especificamente de dados”, afirmou.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que o MLAT é constitucional, no entanto, não pode ser a única via de obtenção de dados para investigações, pois prejudicaria a soberania nacional e a velocidade das ações.

O advogado da União Adriano Martins de Paiva afirmou que a AGU não é contra a constitucionalidade do MLAT, no entanto, é preciso conferir ao acordo o caráter complementar e não exclusivo de obtenção de provas para o processo judicial. “Por que nos termos do devido processo legal vamos dificultar o acesso à Justiça brasileira a esse tipo de prova?”, questionou.

“O pedido [da Assespro], na forma do detalhamento, seria o contrário, uma desvalorização da soberania brasileira, em favor da soberania de outro país, por meio da preponderância do MLAT em desfavor das empresas big techs, sediadas nos Estados Unidos”, afirmou.

Fonte: Jota