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Entre as despesas atípicas apuradas pelo novo governo catarinense e reveladas em entrevista coletiva nesta terça-feira pelo governador Jorginho Mello e o secretário da Fazenda, Cleverson Siewert, estão reajustes salariais acima da média aos servidores, um tipo de despesa permanente. O secretário chamou a atenção que em série histórica de 2013 a 2022, o custo médio da folha subia R$ 700 milhões por ano. Mas em 2021 teve alta de R$ 1,5 bilhão e em 2022 saltou para R$ 3,5 bilhões.

Em entrevista exclusiva para a coluna, ele destacou que a variação acumulada dos reajustes salariais na última década chegou a acréscimo de 125%, enquanto a inflação do período subiu 80%. Ele detalhou mais, também, como o governo pretende obter receitas para cobrir as despesas e atender promessas de campanha.

Segundo Cleverson, estão sendo estudadas medidas heterodoxas como possível uso de recursos da Educação para custear a universidade gratuita e impulso a PPPs para aquecer os investimentos. Saiba mais na entrevista a seguir:

Por que vocês fizeram um estudo tão detalhado sobre a economia do Estado nos últimos 10 anos para fazer a análise das finanças do governo?

– Eu acho que, talvez, tem a ver com o meu DNA. Para fazer o que o governador pediu, que é planejar para frente, eu olho a história, para trás. Eu fazia isso na Ascensus, na Tigre e na Celesc, empresas onde trabalhei. A gente sempre teve essa lógica. Isso faz parte da minha história e faz parte dos bons critérios.

A gente olhou variáveis da economia para responder a pergunta do governador sobre como será a economia de 2023 para frente. Mas olhar não só a foto, mas o filme, nos traz uma série de aprendizados. Foi um estalo que veio para mim, quando eu comecei a ver que as coisas ficaram claras. Fui formatando, encaixando todos os meus estudos que eu fazia na iniciativa privada para responder aos meus acionistas. Aqui não é diferente. Só que os meus acionistas são a sociedade de Santa Catarina.

O diagnóstico mostra que o crescimento da arrecadação do Estado, de 2013 até 2022, seguiu uma lógica até 2020. Por que mudou depois?

– Então, claramente, a gente vê uma linha de tendência que vai de 2013 até 2020. Essa linha mostra um esforço fiscal de mais ou menos R$ 1,4 bilhão por ano. Bacana, legal.  Depois, você vai para 2021 e 2022 e os números são completamente diferentes. Foram R$ 6,6 bilhões a mais em 2021 e R$ 7 bilhões a mais em 2022.

E aí, obviamente, isso chama atenção. E a minha primeira reação foi: rapaz, quero copiar isso aqui para os próximos anos. Solicitei um estudo, abertura dos dados, para aplicar a mesma metodologia. E ao abrir os números, ficou claro que o esforço fiscal relativo a esses números é da ordem de 20%. Os outros 80% têm a ver com o crescimento da economia, tanto a inflação quanto o PIB.

Então, a conclusão que eu tirei é que existe um esforço fiscal importante, mas a conjuntura econômica foi fundamental para que Santa Catarina, em 2021 e 2022, tivesse o resultado que teve.

Aí a minha pergunta foi: e para 2023 como vai ser? Nós vamos conseguir viver isso aqui? A minha resposta, com os dados que eu tenho hoje, é não porque 80% desse número é PIB e inflação. Eu tenho um PIB que está em  queda franca, tanto o nacional quanto o mundial. Então, os dois principais componentes que fizeram com que a arrecadação subisse em 21 e 22 então em viés de baixa, logo, a economia e a arrecadação não deve crescer tanto.

Tomara que eu esteja errado. Tomara que as coisas virem em fevereiro e março e a gente tenha um boom econômico. Mas eu, como financista, como responsável pelo caixa do governo, não posso achar, eu tenho que tomar decisão hoje no que tenho de dado e informação. E o que eu tenho me levou para essa decisão.

Entre as despesas acima da média nos últimos anos, o senhor destacou o crescimento dos gastos com pessoal. Como evoluiu esse gasto e qual será o impacto para frente?

– Eu acho que tem duas informações que são importantes. Eu recorro a série histórica de 2013 até 2020. Nós tínhamos uma ordem de grandeza R$ 700 milhões por ano de crescimento de despesa com pessoal ano após ano. Aí, depois, estamos falando de crescimento da folha de R$ 1,5 bilhão em 2021 e de R$ 3,5 bilhões em 2022.

Então, claramente, de novo, você tem uma série histórica absolutamente diferente. Mais do que isso, quando você administra um negócio onde você vê aqui que cresceu cinco ou seis vezes o número médio em um ano só, é claro que isso vai trazer complicação de gestão para frente.

Nós não poderíamos, imagino eu, ter feito um pulo tão grande assim. Isso significa dizer que na série histórica como um todo nós crescemos mais ou menos 125% com custo de pessoal. Isso significa 45 pontos percentuais acima da inflação, que foi de 80% no período. Mas outro dado interessante é o número de crescimento na série histórica que foi 125%. Só que o número de novas pessoas que entraram nesse período ficou em 17%. Então eu cresci, talvez, 20% em pessoal e em valor de folha, 125%.

Claro que existe a valorização do servidor público. Mas será que nós precisávamos fazer nesse volume. Será que nós precisaríamos fazer nessa quantidade, nesse curto espaço de tempo. Será que nós não poderíamos ter ponderado mais isso. Obviamente, isso vai trazer uma dificuldade de gestão daqui para frente porque quando a gente olha, tem uma receita.

É preciso tirar a minha despesa de custeio, tem que tirar a minha despesa de folha e aí obviamente o que me sobra é para fazer investimento. Se eu tenho mais folha, mais custeio, é óbvio que eu vou ter cada vez menos dinheiro para investir, né? Então isso é uma equação, de novo, de matemática básica.

O governo terá uma dívida de R$ 2,85 bilhões para pagar este ano. De onde vem essa dívida e como será paga?

– Eu acho que é até um pouco mais do que isso. Os R$ 2,8 bilhões são despesas já levantadas, despesas dadas. Nós temos ainda todo o plano de governo que está sendo construído e que vai precisar ser alocado também. Possivelmente esse número vai ser maior. Então como é que nós vamos resolver isso? A primeira coisa será transformar desafio em oportunidade. Eu acho que o governo do Estado é um animador da sociedade e nós não vamos nos deixar abater com isso.

Existe uma série de medidas tanto em termos de despesas, quanto em receita que podem ser trabalhadas. Passam desde mudança e alocação de fonte de recurso, elas passam por financiamentos externos, por novas receitas como PPPs para a Casan e outras áreas do governo. Eu acho que tem uma série de medidas heterodoxas, medidas diferentes, que até  então não foram pensadas e que podem ser trazidas para cá.

Vou dar o exemplo do governador Tarcísio de Freitas, de São Paulo. Já falei porque ele virou um grande ministro e por que virou governador de São Paulo? Ele fez um programa de PPPs que deixou contratado para os próximos 10 anos, no Brasil, R$ 80 bilhões por ano em termos de novos investimentos.

Ele tinha, como ministro, o maior orçamento de investimento do governo federal, de R$ 8 bilhões. Então, ele deixou 10 vezes o orçamento do ano passado dele para cada um dos próximos 10 anos do governo federal. Por que a gente não pode fazer isso em Santa Catarina? Claro que os volumes serão menores, mas dá para fazer também.

E aí você vai criando sistemáticas, vai criando lógicas absolutamente diferentes. É com esse viés de pensar diferente, de fazer diferente, para ter resultado diferente é que nós estamos nos estimulando.

O governador Jorginho Mello e a vice-governadora Marilisa estão com ideias diferentes, que me surpreendem positivamente. O governador Jorginho está pensando como um estadista. Ele precisa resolver desafios hoje claro, mas está olhando para o futuro. Isso me estimula e mostra porque eu estou aqui.

Uma das questões é como o governo vai implementar uma das promessas de campanha, que é a universidade gratuita?

– Minha resposta anterior vai um pouco nessa linha. Nós vamos precisar buscar fontes de receita para financiar esse programa e outros programas. Por exemplo, se eu buscar um financiamento importante para Secretaria de Infraestrutura, eu posso colocar recurso da secretaria de infraestrutura para as bolsas universitárias.

Existe um trabalho muito bacana que o secretário de Administração, Moisés Dirsmann, está fazendo. Eu diria que é um reentendimento da própria Secretaria de Educação. Será que o tamanho tem que ser esse? Será que nós temos que cuidar do ensino básico e do ensino fundamental?

Será, será? Existe uma série de senões. Ele é um estudioso da matéria, é um professor catedrático e está me dando muitas aulas. Eu estou aprendendo muito com ele.

Está sendo muito legal essa troca de informações. Eu estou vendo coisas que eu não posso adiantar ainda, mas estou vendo coisas muito legais que vão mostrar que, talvez, no próprio orçamento da educação, que é gigante, possa ter espaço para realocação, dentro do governo e dentro da própria lógica proposta para a faculdade gratuita.

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Página final da apresentação de Cleverson mostra o déficit apurado e despesas maiores com custeio (à esquerda) Foto: Tiago Guizoni

O governo anterior falou de investimentos bilionários vindo aí. Como vocês pretendem fazer atração de investimentos?

– O que eu ouvi até agora é legal. Acho que Santa Catarina tem um ativo diferenciado pela sua logística, pela sua mão de obra, mas também pelos seus benefícios fiscais. Eu escuto isso de todos os empresários com o quem eu falei ao longo desses últimos 20 dias, pelo tratamento que a Secretaria da Fazenda dispensa, mais o pessoal da área técnica.

Todo mundo é muito respeitoso, muito transparente. Muitos solicitam o benefício pela internet e conseguem. É um atendimento diferente do que acontece em outros estados e isso, naturalmente, cria uma transparência, uma lógica muito positiva. Acho que isso já vem de muitos anos no trabalho da Fazenda.

E como a gente vai fazer para atrair novos investimentos? Eu acho que a gente vai ter que competir nesse cenário nacional e até internacional. Quando eu estava na iniciativa privada, a gente via muitas empresas querendo vir para São Paulo, por exemplo, porque São Paulo tem áreas na China, áreas na Europa e áreas nos Estados Unidos, ou seja, tinha pessoas para fazer a prospecção de investimentos lá fora.

Essas pessoas fazem a captação das empresas lá fora e quando ela vem, já está mais ou menos direcionado. Então eu acho que essas são coisas que a gente já pensa, mas daqui a pouco, pode adotar. Não podemos ser reativos, mas proativos, enxergando e buscando novos parceiros para Santa Catarina. É um projeto que tem custo, mas eu enxergo isso como investimento que pode reverberar e voltar a ser grande aqui.

O governador falou do investimento de R$ 300 milhões para abrir o canal de acesso à Baía da Babitonga. Você já imaginou revolução que pode acontecer se nós virarmos o First Call ‘resolution’ (primeiro contato dos navios) do Brasil? Ao invés de o navio grande (post panamax) ficar esperando por cinco a 10 dias em São Paulo, ele desce aqui e faz todo o transbordo em um porto da Baía da Babitonga?

Pode ser atendido pelos Portos de São Francisco, Itapoá, da Coamo, do Schneider ou outro? Imagina que revolução isso pode proporcionar para aquela região? Eu não estou falando em benefício fiscal, estou falando de logística, de deixar os homens trabalhar.

São essas coisas que a gente precisa pensar para frente. Aí se você vai dizer: vocês vão colocar R$ 300 milhões na abertura do canal de acesso à Baía da Babitonga? Mas se nós fizermos uma PPP? Precisamos pensar diferente. Vou ver com o governo federal.

No caso da SCGás, por exemplo. Dá para fazer uma PPP para a oferta de gás natural. Temos a Cosan e a Mitsui com interesse. Não podemos fazer o mesmo com a Celesc porque é uma concessão federal e, além disso, o governador prometeu não privatizar a Celesc e a Casan.

Atualmente, mais de 30% da receita de ICMS do Estado vem de atividades logísticas, com destaque para portos em função de incentivos fiscais. A reforma tributária do governo federal pode derrubar esses benefícios. Essa questão preocupa o Estado?

Veja o caso dos combustíveis. Os caras, numa canetada, baixaram a arrecadação em praticamente a metade (as alíquotas de ICMS foram reduzidas de 25% para 17%). Eu, particularmente, não entendo que a reforma tributária vai acontecer de uma forma drástica. Ela será gradativa. Se não for assim não passa (no Congresso). Eu acho que o governo Lula vai querer entregar alguma coisa e fará a reforma tributária, que poderá ser fatiada.

Via NSCTotal  – Coluna Estela Benetti