A desvalorização do real em relação ao dólar voltou a pressionar a dívida dos Estados. O estoque da dívida externa bruta dos governos estaduais somou R$ 118,68 bilhões em junho, valor 20% maior que o estoque em igual mês do ano passado. Com o aumento, a dívida avançou de 1,5% para 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados do Banco Central (BC). A desvalorização cambial de 6,4% do início de junho até ontem deve ter intensificado o cenário.

O avanço não deve provocar por si só rompimento de limites de endividamento, mas contribui para elevar os desembolsos dos Estados num momento em que a frustração do crescimento econômico se reflete nas receitas. Segundo dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cresceu 6% nominais no primeiro semestre deste ano na comparação com iguais meses de 2017, pouco acima da inflação de 4,4% nos 12 meses até junho.

Eventuais dificuldades de pagamento dos Estados nos caso dos empréstimos externos ou de financiamentos internos com garantia do Tesouro Nacional também podem ter efeito para o fluxo de desembolsos da União. Cerca de um quinto da dívida que o Tesouro Nacional honrou neste ano para Estados e municípios que ficaram inadimplentes de janeiro a julho está relacionada a financiamentos tomados com agentes externos.

Segundo dados do Tesouro, a União cobriu R$ 2,5 bilhões em dívidas dos governos regionais neste ano, dos quais R$ 555,45 milhões foram de empréstimos externos tomados pelo Estado do Rio de Janeiro com organismos diversos, como Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial, Corporação Andina de Fomento (CAF) e Japan International Cooperation Agency (Jica). O Estado do Rio também foi o que o Tesouro mais socorreu para honrar pagamentos em empréstimos. O Tesouro cobriu total de R$ 1,99 bilhão em valores atrasados para o Estado neste ano.

A União honra os valores nos casos em que concedeu garantia para as operações de crédito. Depois de cobrir a dívida, o Tesouro executa as contragarantias indicadas pelos entes federados. Entre as mais comuns, está o Fundo de Participação do Estado (FPE).

Segundo relatório do Tesouro, no primeiro quadrimestre do ano, as operações externas representaram mais da metade do saldo devedor em operações de crédito concedidas aos Estados com garantia da União. De um saldo devedor de dívida de R$ 183,3  bilhões ao fim de abril, R$ 96,2 bilhões se referem a operações externas.

O aval da União a empréstimos externos a Estados não é obrigatório, mas costuma ser exigido pelo órgão financiador. Segundo o Tesouro Nacional, desde que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi aprovada, em 2000, há apenas dois registros de operações de crédito a Estados sem garantia da União. Foram tomados pelo Ceará com instituições alemãs, uma de € 50 milhões, em 2012, e outra de € 57,6 milhões, em 2016.

O primeiro efeito da alta do dólar é no aumento do estoque da dívida bruta externa e consequente elevação das amortizações devidas, diz Vilma da Conceição Pinto, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre). Um agravante para a situação do Estados, acrescenta ela, é que desde 2015 a União restringiu a concessão de garantias em empréstimos externos aos governos regionais. “Mesmo assim os Estados aumentaram seu endividamento por meio de empréstimos tomados internamente sem aval do Tesouro.” Os dados do BC mostram que a dívida bancária bruta interna dos Estados subiu de 1,9% do PIB em junho de 2017 para 2,2% em igual mês deste ano.

O estoque da dívida bruta dos Estados (interna ou externa) é relativamente alto atualmente, explica a economista, porque até 2014 a União liberou garantias para a concessão de crédito, independentemente das condições fiscais do entes federados. Muito do saldo devedor, diz Vilma, foi contraído nesse período. A alta do dólar, segundo ela, traz pressão adicional a esse quadro de endividamento.

Em dezembro de 2012, antes dessa fase em que a União foi mais generosa nas garantias para os governos regionais, a dívida bancária bruta interna dos Estados correspondia a 0,7% do PIB, e a dívida bruta externa, a 0,8% do PIB.

Amir Khair, especialista em finanças públicas, destaca um quadro ainda mais amplo, no qual muitos Estados já enfrentam dificuldades para fechar o orçamento e fazer frente às despesas correntes.

Khair lembra que o desequilíbrio fiscal dos Estados se agravou desde 2014. Até então, diz, a arrecadação crescia em ritmo acelerado e favorecia o avanço das despesas. Em 2015 as receitas foram muito afetadas, mas os Estados já estavam com despesas de pessoal elevadas. Poucos, diz ele, foram os que deram alguma solução para os gastos com previdência e por isso esse dispêndio ainda compromete o orçamento. “Nesse cenário, o efeito da depreciação do câmbio sobre a dívida agrava um quadro no qual a arrecadação ainda não recuperou um ritmo mais acelerado de crescimento.”

 

Via Valor Econômico