A comunidade jurídica atribui ao ativismo judicial uma tentativa de potencializar o Poder Judiciário com possível invasão nos Poderes Legislativo e Executivo, normatizando condutas e decidindo sobre questões de estrita competência do Executivo, intervindo nos atos de gestão de perfil político e administrativo.

De fato, o ativismo judicial não condiz com a divisão de poderes concebida por Montesquieu e desequilibra o sistema em que o único poder que não dispõe de nenhuma representação popular, sendo uma exceção tolerada no sistema democrático, se arvora no direito de legislar e ditar diretrizes no plano da Administração Pública. Devemos sempre lembrar que o poder que melhor representa o povo é o Legislativo, por ser a casa em que todos os segmentos da sociedade são representados, não se tendo aqui a pretensão de discutir a qualidade desses representantes, tema que demandaria outro artigo específico.

O ativismo judicial pode ocorrer em diversos níveis de percepção, desde uma intervenção sutil, perceptível somente pelos analistas mais aguçados, até uma intervenção flagrante, visível até pelo observador leigo, situação em que o chefe do Poder Executivo se transforma em mero despachante de luxo. Ele não mais decide. Quem dita a palavra final é o Ministério Público, juntamente com o Poder Judiciário. Nesse ativismo judicial extremado, para melhor segurança, talvez fosse conveniente que o Executivo fizesse uma consulta prévia para viabilizar um determinado ato de gestão.

Entretanto, o ativismo judicial não se instala de graça; há condições que favorecem esse desequilíbrio de poder. Entre outros fatores, destacam-se: 1) disputa pelo poder; 2) cultura da judicialização; e 3) omissão ou degradação do Poder Legislativo e principalmente, do Poder Executivo. O ativismo judicial é uma forma de ocupação de espaço de poder esvaziado.

Em nenhum momento de nossa história democrática o ativismo judicial se demonstrou tão evidente como na presente crise sanitária decorrente da pandemia da Covid-19, que se transformou numa tragédia no Brasil por conta da incompetência e irresponsabilidade do governo federal e, em alguns casos, dos governadores e prefeitos.

Desde o início da pandemia, o presidente da República optou por politizar a crise e adotou uma postura desequilibrada na sua condução, trocando ministros pelo simples fato de estarem em evidência, subestimando a doença e dando péssimos exemplos no plano da prevenção, contrariando todos os seus protocolos; atribuiu aos cuidados da saúde uma preocupação de “maricas”; criou desinformações e tudo mais que poderia desestabilizar um plano central de controle da doença.

Mas o ápice de sua irresponsabilidade está ocorrendo no trato da imunização contra a doença. Mais uma vez o apetite pelo poder suplantou o interesse pela saúde dos brasileiros, a ponto de torcer pelo insucesso da vacina Coronavac com relação ao seu poder imunizante, com a única finalidade de sair em vantagem na briga política com o governador de São Paulo, ficando evidente que o governo do Bolsonaro é desprovido de qualquer sensibilidade e solidariedade humana com relação ao sofrimento das inúmeras famílias que perderam os seus entes queridos e os que ainda haverão de perdê-los pelo contínuo avança da pandemia no Brasil.

Em todas as suas manifestações, fica implícito o menosprezo pelas vacinas, dizendo não se deixar pressionar por nada, na versão do “não dou bola para isso”, numa nova manifestação de insensibilidade com o sofrimento sem precedentes do provo brasileiro. Que se diga isso para uma família que perdeu pai, mãe, filho, ou qualquer ente familiar.

É com profunda decepção que os brasileiros assistem, através da mídia, ao início das campanhas de vacinação pelo mundo afora: EUA, União Europeia, Canadá, Rússia, inclusive países da América Latina, para citar somente alguns. Notícias de alívio e esperança para os cidadãos daqueles países. E, para os brasileiros, decepção e sentimento de abandono. Nada de concreto até o fechamento deste artigo. Nem data, sem vacina comprada, nada. Em todas as manifestações do presidente fica evidente a sua má vontade com relação à vacina, negando a sua obrigatoriedade e amedrontando o povo no tocante às reações. Tudo o que um chefe de Estado não deveria fazer. A situação é tão desesperadora que o STF tentou se descolar da plebe para obter uma reserva de vacina para os seus integrantes.

É nessa circunstância de crise em que podemos observar a liderança de um governo. É neste momento que se revela o grau de solidariedade de um chefe com a sua nação. Enquanto aqui no Brasil nós assistimos a brigas políticas, vaidades não tão intelectuais assim, politização da pandemia, outras nações olharam para frente, com ênfase no planejamento da imunização, tão logo ela fosse tecnicamente viabilizada. Aí está o resultado.

Pois bem, esse é o cenário perfeito para a institucionalização do ativismo judicial, que passa ser até necessário nessas circunstâncias extremas. Se o Poder Executivo falha nas suas obrigações constitucionais e não governa, outro poder haverá de ocupar esse vácuo, visando a garantir a ordem social do país. No caso da vacina, o STF já foi instado a se manifestar sobre a obrigatoriedade da vacinação, para anular o poder de desinformação da tese irresponsável do presidente, segundo a qual, ninguém é obrigado a se vacinar, argumento indefensável no Direito Público, em que prevalece o bem jurídico da coletividade sobre a individualidade.

O STF também já interveio para determinar que o governo federal estabelecesse um plano de vacinação, pois nem isso havia sido providenciado até então, o que de certa forma surtiu efeitos, visto que anteriormente o ministro da Saúde falava em iniciar a vacinação em março, enquanto outros países já estavam em plena vacinação no mês de dezembro.

Diante desse cenário da pandemia, o ativismo judicial, embora não seja boa prática de divisão dos poderes, pode ser a única salvação para diminuirmos o sofrimento do povo brasileiro. Diante da omissão do Poder Executivo, cabe ao Judiciário intervir, com a decretação das medidas necessárias, como isolamento social, restrições nas atividades para diminuir a taxa de contaminação e, principalmente, para trazer para o Brasil a tão esperada e milagrosa vacina, que pelo que parece, é única medida eficaz contra a permanência da pandemia. Quem se responsabiliza pelas mortes que ainda haverão de ocorrer daqui para frente, e que não ocorreriam se já tivéssemos iniciada a vacinação, a exemplo de vários outros países?

Que algum poder faça algo pelo país e que Deus nos proteja!

Por Deonísio Koch– Auditor Fiscal da Receita Estadual de SC