A partir de 2019, o cumprimento da regra que impôs um teto à despesa pública federal vai exigir uma queda dos gastos discricionários abaixo do valor considerado mínimo para o funcionamento da máquina pública. Esses gastos vão de investimentos a pagamento de contas como água e luz das repartições federais.

Estudo realizado pela pesquisadora Vilma Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), indica que o cumprimento do teto exigirá que as despesas discricionárias – não obrigatórias – sejam cortadas de R$ 129 bilhões neste ano para algo em torno de R$ 100 bilhões em 2019. O valor mínimo para o funcionamento da máquina é de cerca de R$ 120 bilhões, avalia Manoel Pires, também pesquisador do Ibre e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Alguns efeitos já começam a aparecer. Na quinta-feira, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) informou que pode suspender todas as bolsas de mestrado, doutorado e de aperfeiçoamento para professores, num total de quase 440 mil, se o corte a ser promovido pelo Ministério da Educação no orçamento da entidade se realizar.

Em 2017, quando o gasto discricionário foi cortado a R$ 102 bilhões houve risco de paralisação de atividades do governo. A emissão de passaportes, por exemplo, chegou a ser interrompida. Depois, o governo mudou a meta fiscal e a rubrica subiu para R$ 114 bilhões. “Para que o teto seja cumprido em 2019, o gasto discricionário terá que oscilar entre R$ 98 bilhões e R$ 105 bilhões”, afirma a pesquisadora. As despesas discricionárias são as despesas sobre as quais o governo têm maior controle, nos quais têm se concentrado os cortes para que o teto seja cumprido.

A regra do teto, prevista na Emenda Constitucional 95, em vigor desde o ano passado, foi criada para evitar que a despesa pública federal cresça mais que a inflação. Até então, os gastos subiam, em média, 6% ao ano em termos reais. O novo regime fiscal tem duração de 20 anos, com revisão a partir do 10º ano. Estourado o teto fica automaticamente proibida a elevação de despesas obrigatórias, como reajustes e mudanças de carreira para servidores; ganho real para o salário mínimo, abertura de concurso público, criação ou expansão de programas e a concessão incentivos fiscais.

De acordo com as projeções de Vilma, para cumprir o teto, as despesas discricionárias teriam que ser comprimidas para R$ 70 bilhões em 2020; R$ 37 bilhões em 2021 e chegariam a uma cifra negativa de R$ 2 bilhões em 2022, último ano do próximo mandato presidencial. É um cenário em que o salário mínimo passa a ser corrigido apenas pela inflação a partir de 2020 e sem reformas, como a da Previdência. Se a regra atual do mínimo for mantida, o cumprimento do teto obrigaria a zerar os gastos discricionários em 2021 e, em 2022, eles seriam negativos em R$ 56 bilhões. A premissa do estudo considera as despesas com pessoal contidas no atual patamar em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) – cerca de 4,3% – e gastos gerais corrigidos pela inflação. As premissas econômicas são de IPCA de 4,5% em 2019 e 4% nos demais anos e crescimento de 2% do PIB em 2019 e 2020 e 1,8% em 2021 e 2022.

A previsão plurianual mais recente do governo, que está na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019, de abril deste ano, é um pouco mais otimista, mas a compressão das discricionárias obrigaria essa despesa a cair a R$ 52 bilhões em 2021. “E o que está colocado nessa previsão é uma redução num cenário extremamente otimista, com crescimento de 2,5%, sem reajuste de servidor e com despesas estáveis de saúde e educação”, afirma Pires.

Ele afirma que a regra do teto “promete muito mais do que as regras fiscais em geral conseguem entregar”. “Há um conjunto de questões que envolvem o cumprimento do teto, como a reforma da Previdência. Quando se olha esse universo, é natural que se tenha dúvidas sobre essa solução”.

Para Luiz Schymura, diretor do Ibre-FGV, mesmo na hipótese de eleição de um candidato “extremamente fiscalista”, respeitar o teto até 2022 será “uma missão quase impossível”. Para Vilma, ele será rompido em questão de dois ou três anos. Ela, Schymura, Manoel Pires e Bráulio Borges participaram de debate sobre o assunto no Valor, em São Paulo, na quarta-feira.

Ultrapassado o teto, seria necessário aplicar as sanções previstas na EC 95, como a proibição de aumento de salários para servidores. Mas mesmo a aplicação de todas as medidas previstas não seria suficiente para cumprir a regra. É interessante observar que o não cumprimento do teto não configura crime de responsabilidade, mas o descumprimento das sanções, sim.

A ameaça de paralisação da prestação de serviços é apenas um dos problemas que o próximo presidente terá de enfrentar na corrida para cumprir o teto. Para os pesquisadores do Ibre, cumprir essa regra é impossível e, assim, a Emenda Constitucional 95 terá que ser repensada. Parte dos pré-candidatos à Presidência já deu indicações de que pretende fazer algum tipo de mudança. Não será tarefa política trivial. “A briga é para eleger perdedores. E por conta disso os grupos de interesse estão mobilizadíssimos. Ninguém quer pagar a conta. É um contexto muito difícil”, observa Schymura. Ele ainda aponta para o risco de judicialização do orçamento e cita um exemplo: uma nova lei que preserve o ganho real para o mínimo a partir de 2020 obrigaria um repasse desse ganho ao piso da Previdência. Com o teto rompido, esse piso não poderia ter ganho real, contrariando a Constituição. O caso poderia parar no Supremo Tribunal Federal (STF).

Vilma Pinto observa que se a regra for alterada será necessária uma nova norma eficiente que limite a despesa pública, sob o risco de a dívida ficar insustentável nos próximos anos. Segundo seus cálculos, a vigência simultânea de todas as sanções previstas na EC 95 colocaria a despesa em 18,7% do PIB em 2020, mas, para cumprir o teto, seria necessário que ela caísse a 18,1%. Em 2025, os gastos seriam de 17,3% do PIB, mas o cumprimento do teto exigiria uma queda para 15,9%.

Nas projeções, sem a regra do teto, a dívida bruta chegaria a cerca de 115% do PIB em 2026, de cerca de 78% atuais. Acionando todos os dispositivos da EC 95, a dívida seria de cerca de 96% do PIB. Com o teto, chegaria naquele ano a 90%. “Sem âncora fiscal, a dívida bruta não se estabiliza. Cumprindo a emenda [com o acionamento das sanções], a dívida se estabiliza, mas em nível elevado. Preservando o teto de gastos, ela se estabiliza entre 2024 e 2025”, afirma Vilma.

A esse respeito Schymura aponta o impacto da âncora fiscal na percepção dos agentes econômicos. “Se ficar claro que o risco de insolvência ficou pra trás, provavelmente se criará uma dinâmica de investimento. Pode haver uma onda de crescimento e, talvez, se possa rever a regra do teto. Do contrário, o Brasil não sai da crise, não tem investimento privado. E fica todo mundo esperando o que vem pela frente”.

 

Via Valor Econômico