Na semana em que o dólar bateu recordes de altas sucessivas e foi anunciado o crescimento magro de 1,1% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2019, empresários e banqueiros reuniram-se três vezes, entre quinta-feira e domingo, com o alto escalão do governo para pressionar pela aprovação de novas reformas. O objetivo do governo é manter o apoio da iniciativa privada – para isso, será preciso uma “virada” na agenda de reformas para reverter o cenário negativo que marcou os últimos dias na economia brasileira.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, cancelou viagem que faria aos Estados Unidos para acelerar os projetos no Congresso. O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, responsável pela articulação política do governo no Congresso, também decidiu ficar no Brasil e não acompanhar o presidente Jair Bolsonaro em agenda nos Estados Unidos.

Após a escalada do dólar e a tensão no mercado, que têm afugentado investidores, a equipe econômica e a articulação política do Palácio do Planalto defendem que o Executivo mostre trabalho, sinalizando ao mercado que não está inerte. A estratégia é enviar a proposta de reforma tributária e investir energia na votação das três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) que estão no Senado: emergencial, dos fundos públicos e Pacto Federativo. Questionamentos de empresários, irritados, sobre os rumos da economia aumentaram nos últimos dias. A maioria com temor de a equipe não conseguir emplacar a agenda.

A PEC Emergencial, que tem potencial de abrir espaço no Orçamento para investimento, é a prioridade. A dúvida continua sendo o envio da proposta de reforma administrativa. Embora assinada, o presidente ainda resiste em remetê-la ao Parlamento com temor de um custo político elevado em ano eleitoral. Paulo Guedes, porém, insiste no encaminhamento do texto porque está sendo cobrado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por lideranças do Congresso e pelo mercado.

Uma ala do Palácio considera que alguns dos problemas a serem resolvidos no chamado RH do setor público podem ser contemplados nas PECs Emergencial e do Pacto Federativo. As propostas contêm medidas de redução de gastos com servidores e permitem até mesmo corte de salários.

A proposta tributária deve ganhar relevância com o envio do texto de criação do tributo que vai unir o PIS/Cofins. O governo prefere começar com essa simplificação. O envio da reforma tributária, na avaliação de integrantes do Planalto, ajuda a mudar a narrativa de que o governo não está fazendo nada e a retomar o discurso de que trabalha pelas mudanças pró-crescimento.

Um empresário, que falou sob reserva, vê um desalinhamento entre Executivo e Congresso em relação ao tema e demonstrou preocupação também com o discurso de Guedes, que ainda não desistiu de retomar a CPMF. “Essa proposta é rejeitada pela maioria de nós”, disse.

As conversas prosseguem. Na quinta-feira passada, Guedes participou de reuniões pela manhã e à tarde com dois grupos diferentes de industriais e banqueiros para discutir uma agenda de propostas para acelerar o crescimento do País. No encontro, organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o presidente Jair Bolsonaro esteve presente e pediu sugestões da iniciativa privada sobre como o governo pode acelerar essa agenda. Novos encontros já estão agendados.

No mesmo dia, o ministro da Economia participou de uma outra rodada de conversas com um grupo seleto da industriais que fazem parte do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), que fez uma cobrança da reforma tributária mais substancial, alinhada à PEC 45.

Logo depois, Guedes sentou-se com representantes da indústria no Rio de Janeiro, que formam o grupo Coalizão Indústria. Novamente, as entidades empresariais saíram em defesa da aprovação da reforma tributária, como condição imprescindível para destravar o crescimento da economia. Em conversa com a imprensa, eles ainda se mostraram insatisfeitos com a oscilação excessiva do dólar, que afeta setores importadores de insumos.

“A maior prioridade da Coalizão é a retomada do crescimento econômico”, afirmou Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, que participou do encontro junto com associações industriais de outros setores.

Lopes defendeu, também, a aprovação da reforma administrativa para cumprir a promessa de redução do gasto do governo e enxugamento da máquina pública. Os empresários disseram que têm mantido conversas constantes com a equipe econômica, mas também com congressistas sobre a urgência da aprovação da reforma tributária.

“O fato de o Congresso ter assumido a liderança na discussão dessas questões é extremamente bem-vindo. É uma condição que dá esperança enorme de que essas questões vão avançar, porque é lá que essas questões vão caminhar”, disse Lopes.

 

Secretário do Tesouro Nacional defende necessidade de medidas duras de ajuste fiscal

Mansueto Almeida, o atual secretário do Tesouro Nacional, é, hoje, o principal defensor da necessidade de continuação das medidas duras de ajuste fiscal dentro da equipe econômica. Não por acaso, tem sido chamado por técnicos mais antigos e experientes do Ministério da Economia de “bombeiro” do ajuste.

Passa boa parte do tempo tentando apagar incêndios dentro e fora do governo a cada tentativa de aumento de gasto, subsídios e incentivos fiscais. É no segundo andar do prédio central do Ministério da Economia, onde fica o comando do Tesouro, que a conta aparece para o contribuinte pagar.

Um dia após o anúncio do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 1,1% em 2019, não foi diferente quando alertou: “Estou muito preocupado, não durmo tranquilo, não é normal um País como o Brasil crescer 1,1%”. A fala foi uma resposta àqueles que culpam o ajuste fiscal pelo crescimento baixo. Mansueto pensa o contrário: é preciso persistir nas reformas para abrir espaço ao investimento público.

Os pedidos por benesses setoriais não pararam no governo Jair Bolsonaro, mesmo diante da cartilha liberal do ministro Paulo Guedes. O Tesouro é obrigado a dar pareceres sobre o impacto fiscal das decisões que podem levar ao aumento de despesas e piora do resultado das contas públicas. Mansueto perde umas batalhas e ganha outras.

Justamente por isso é visto pelo mercado financeiro como o principal fiador do processo de consolidação fiscal para as contas públicas saírem do vermelho. A cada rumor de que está deixando o cargo – e foram muitos ao longo do segundo semestre do ano passado -, a luz amarela acende entre os analistas. O mercado se agita. Muitos interpretam que sua saída pode sinalizar abertura para a flexibilização fiscal.

O setor público ainda tem um déficit elevado, e Mansueto não tem parado de repetir o mesmo mantra: o ajuste fiscal não terminou e o Brasil não fez, ainda, o dever de casa. O País só vai voltar a ter superávit em 2022. Para o secretário, o risco maior ainda está por vir: uma parte do governo achar que o ajuste fiscal já foi feito. Ele insiste que não há como criar novas despesas sem que se tenha claro a fonte orçamentária e sem ser compatível com o teto de gasto, a regra que foi incluída na Constituição no governo Michel Temer e que impede o crescimento das despesas de um ano para o outro acima da inflação.

Mansueto é remanescente da equipe econômica que criou o teto de gastos e combate qualquer tentativa de flexibilização – algumas de dentro da própria equipe econômica – para aumentar os investimentos públicos.

“O governo pode fazer muita coisa, desde que escolha o que é prioritário. O nosso papel é apenas alertar para as regras orçamentárias”, advertiu o secretário, no fim do ano passado, quando muitos no governo avaliavam que a situação das contas estava resolvida com o impacto da queda da taxa de juros na redução do endividamento público, a expectativa de uma retomada mais forte do crescimento em 2020 e os bilhões do pré-sal.

Muitos viram, na fala de Mansueto pós-divulgação do PIB, contradição com o comentário feito por Guedes e especularam nas redes sociais que o secretário estaria “cavando” sua saída da equipe. Técnicos dizem que ele está cansado, mas não demonstra que poderia deixar o governo agora, principalmente quando está próximo um acordo para a votação, no Congresso, do programa de socorro aos estados, batizado por Guedes de Plano Mansueto. A interlocutores, ele nega que vá deixar o cargo.

Em dezembro, Mansueto quase colocou o pé fora do governo, por desentendimentos dentro da equipe, mas Guedes o convenceu a permanecer. Durante entrevista de balanço de fim de ano, com a presença de todo o primeiro escalão do ministério, o ministro fez um agrado especial ao seu auxiliar, que continua gozando da confiança do ministro: “Mansueto é igual ao Jorge Jesus”, brincou Guedes, em referência ao técnico do Flamengo, campeão da Libertadores e do Campeonato Brasileiro. “Vamos tentar renovar o contrato.”

Via Jornal do Comércio