PT é explícito sobre tributar andar de cima, embora os dois lados defendam cobrança sobre dividendos

Uma reforma tributária que eleve a taxação sobre os mais ricos ganhou mais chances de ser implementada a partir do ano que vem em meio a promessas feitas pelos presidenciáveis Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) e ao respaldo popular a uma medida do gênero.

Os planos de taxação são feitos em um momento em que especialistas já veem necessidade de o país buscar mais receitas a partir de 2023 para compensar, ao menos em parte, a expansão de despesas decorrente de promessas eleitorais.

A campanha do PT é mais explícita em relação ao tema, chegando a dizer no plano de governo entregue à Justiça Eleitoral que buscará uma reforma tributária para “os pobres pagarem menos e os ricos, mais”. Membros da campanha sinalizam também aumentar a taxação sobre renda e diminuir sobre consumo –que onera mais, proporcionalmente, as classes mais baixas.

Também pretendem recriar a cobrança sobre dividendos (lucro da empresa distribuído a acionistas), instrumento com isenção que há mais de 25 anos beneficia a renda tanto de donos ou sócios de empresas como de quem investe no mercado financeiro.

No caso de Lula, integrantes da campanha afirmam à Folha que a reforma tributária com a taxação de dividendos está entre os primeiros pontos a serem tratados em caso de vitória nas eleições –além da arrumação das despesas no Orçamento de 2023 e da definição sobre a regra substituta do teto de gastos.

Já o programa de Bolsonaro não fala claramente em elevar a tributação dos mais ricos, embora defenda a proposta enviada pelo próprio governo ao Congresso em 2021 que busca alterar regras do Imposto de Renda e recriar a taxação de dividendos. O presidente e o ministro Paulo Guedes (Economia) chegaram a citar a cobrança como forma de respaldar o pagamento de R$ 600 do Auxílio Brasil em 2023.

A procura por mais arrecadação por meio de elevação da carga tributária teria como barreira a resistência da população, mas pesquisas indicam que haveria mais aceitação se a maior cobrança se restringir de fato às classes mais altas.

Levantamento inédito encomendado pela Febrafite (Associação Nacional de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) mostra que a maioria (67%) dos 2.000 entrevistados defende que o governo deve se preocupar em reduzir a diferença entre ricos e pobres, sendo que a maior parcela (41%) é a favor ou totalmente a favor de impostos muito mais altos sobre a renda e a herança dos mais ricos.

Além disso, 57% acham que os recebedores de altos salários deveriam pagar uma proporção maior ou muito maior de impostos.

“Quando as pessoas falam em aumentar impostos, há a visão de que todos vão pagar mais –aí há uma recusa. Porém, quando se fala em taxação de riquezas, se tiver uma proposta onde a gente gere mais progressividade tributária e melhor distribuição da carga tributária, aí as pessoas aceitam mais”, afirma Rodrigo Spada, presidente da Febrafite.

Outros levantamentos corroboram as conclusões, como pesquisa do Datafolha em parceria com a organização Oxfam divulgada no mês passado que conclui que 85% defendem elevar a taxação sobre classes mais altas para garantir aos mais pobres serviços públicos básicos, como educação.

Apesar de os dois candidatos prometerem taxar dividendos diante da expansão fiscal no ano que vem, o ganho com a medida não banca todas as promessas dos candidatos.

A cobrança de dividendos no formato apresentado originalmente pelo governo Bolsonaro renderia R$ 58,1 bilhões em 2024 (conforme dados apresentados pela Receita Federal na época do envio da proposta, que acabou desidratada). O montante é semelhante ao demandado para elevar o Auxílio Brasil para R$ 600 no ano que vem (R$ 52,5 bilhões por ano, segundo o Ministério da Economia).

Além disso, outras promessas feitas por ambas as campanhas agravam o rombo previsto para 2023 –uma delas dentro do próprio sistema tributário, com o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 5.000. Só isso já demandaria mais R$ 20 bilhões, pelo menos —segundo cálculos iniciais de especialistas. Há ainda outras pressões sobre o Orçamento, como a prometida recomposição de verbas de programas sociais como o Farmácia Popular.

Bráulio Borges, pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e economista-sênior da LCA, afirma que a busca por novas receitas será necessária para reduzir a dívida líquida do país (que corresponde a 58% do PIB hoje) até o fim da década.

“Não tem mais como fazer ajuste fiscal só pelo lado da despesa. A gente vai ter que adotar uma nova estratégia de consolidação fiscal e, para atingir esse superávit, vai ter que necessariamente envolver algum aumento de carga tributária”, diz Borges. “Uma saída é aumentar a tributação no topo”, afirma.

Além da taxação de dividendos, Borges cita entre as possibilidades para elevar a arrecadação sobre os mais ricos a tributação sobre patrimônio –e cita especificamente o federal ITR (Imposto Territorial Rural). Por outro lado, um imposto geralmente citado nas discussões –sobre grandes fortunas– não geraria o efeito desejado, segundo Borges, pois muito da riqueza alvo da medida está escondida em paraísos fiscais, driblando a Receita.

Juliana Damasceno, economista-sênior da Tendências Consultoria, afirma que já está contratado para o ano que vem um cenário desafiador para as contas públicas –inclusive devido ao patamar dos juros, que encarece o custo com a dívida pública.

“A gente vai entrar e sair do ano com uma taxa de juros na casa de dois dígitos e com dois desafios, um primário [conta sem juros] e um financeiro [com juros]. Para que não haja uma explosão da dívida, naturalmente a gente precisa considerar que tem que se ganhar carga”, diz.

Mesmo assim, ela afirma que taxar dividendos não vai ser tão simples. “Vai ter uma necessidade maior do que a gente está pensando [de tributação sobre esses instrumentos] e isso vai ser um desafio, principalmente porque afeta setores muito bem organizados. Então pode ser que nem tudo [da busca por receitas] venha de dividendos”, afirma a economista.

“Se ele [eleito] não quiser entrar no vermelho, vai ter que taxar bem mais do que se pensava em dividendos, ou entrar com novos tributos em cena, ou aumentar alíquotas de tributos”, afirma.

REFORMA TRIBUTÁRIA

  • Lula prometeu elevar isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000
  • Propõe reforma que simplifique tributos e que faça os pobres pagarem menos e os ricos, mais
  • Promete combate à sonegação e simplificação de impostos
  • Membros da campanha sinalizam também aumentar a taxação sobre a renda e diminuir sobre o consumo –que onera mais, proporcionalmente, as classes mais baixas
  • Também pretendem recriar a cobrança sobre dividendos (lucro da empresa distribuído a acionistas), instrumento com isenção que há mais de 25 anos beneficia a renda tanto de donos ou sócios de empresas como de quem investe no mercado financeiro
  • Isenção do Imposto de Renda para trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos; redução e simplificação de impostos
  • Plano de campanha inclui busca pela aprovação do projeto enviado em 2021 que recria a cobrança sobre dividendos, baixa impostos de empresas e reajusta parcialmente a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física

 

Via Folha de São Paulo