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No contexto de um federalismo fiscal, a União não pode intervir na maneira como os estados exercem sua competência tributária, ainda que por meio de lei complementar, pois isso ultrapassa seu poder constitucional.

Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou uma liminar do ministro Luiz Fux que incluiu a tarifa de uso do sistema de transmissão de energia elétrica (Tust) e a tarifa de uso do sistema de distribuição de energia elétrica (Tusd) na base de cálculo do ICMS. O julgamento virtual se encerrou na última sexta-feira (3/3).

A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada por governadores de dez estados e do Distrito Federal contra o artigo 2º da Lei Complementar 194/2022, que modificou a Lei Kandir e excluiu as tarifas da base de cálculo do ICMS.

Eles argumentaram que a base de cálculo do ICMS na tributação da energia elétrica abrange o valor de toda as operações, e não só do consumo efetivo. Assim, a Tust e a Tusd, chamadas de encargos setoriais, estariam incluídas. Além disso, alegaram violação do pacto federativo, devido à restrição da autonomia dos estados.

Ao suspender o dispositivo contestado, no último mês de fevereiro, Fux considerou que a lei complementar foi além do seu poder para tratar de questões relativas ao ICMS. Em seu novo voto, ele reiterou seus argumentos.

A Constituição fala em pagamento do imposto sobre “operações” relativas à circulação de mercadorias na energia elétrica. Para o relator, o termo “operações” remete não apenas ao consumo efetivo, mas a “toda a infraestrutura utilizada para que esse consumo venha a se realizar, isto é, o sistema de transmissão da energia”.

O ministro ainda levou em conta os prejuízos bilionários aos cofres estaduais, que poderiam deixar de arrecadar cerca de R$ 16 bilhões a cada seis meses. Conforme os autores, tais perdas comprometem a prestação dos serviços básicos à população.

A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) já havia requisitado que os estados excluíssem a Tust e a Tusd da base do ICMS, para não lesar direitos do consumidor de energia elétrica.

Fux também destacou que a ratificação da liminar não causa prejuízos, pois a maioria dos estados nunca excluiu os encargos setoriais da base de cálculo do ICMS cobrado sobre a energia elétrica. Um levantamento feito a pedido da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace) mostrou que 19 estados ainda não haviam cumprido a lei complementar, devido a dificuldades em regulamentá-la.

O tributarista Igor Mauler Santiagocolunista da revista eletrônica Consultor Jurídico, explica que esses estados poderão manter a cobrança do ICMS sobre a Tust e a Tusd. “Para os que tiverem excluído essa hipótese, será preciso alterar a lei e respeitar a anterioridade, voltando a exigir apenas em 2024”, indica.

Outros votos
Apenas dois ministros não acompanharam totalmente o entendimento de Fux. Gilmar Mendes votou por referendar a liminar, mas fez ressalvas à fundamentação do relator.

Ele concordou que a norma violou os procedimentos de elaboração previstos na Constituição. Porém, considerou que seria melhor discutir o conteúdo do artigo somente no julgamento de mérito da ADI, devido à complexidade do assunto.

Já André Mendonça divergiu do restante dos colegas, mas chegou à mesma conclusão de que seria necessário suspender os efeitos do dispositivo questionado.

O magistrado lembrou que o STF já negou repercussão geral em um caso sobre a inclusão da Tust e da Tusd na base de cálculo do ICMS, por entender que o tema não ultrapassava o nível infraconstitucional. Assim, para aceitar os fundamentos de Fux, a corte teria de revisar o tema.

Na visão de Mendonça, “ou a matéria referente à base de cálculo do ICMS incidente sobre a energia elétrica é eminentemente constitucional, descabendo atuação minimamente inovadora por parte dos entes federados”; ou, então, os estados e o DF têm liberdade para definir, em suas legislações tributárias, se a Tusd e a Tust compõem o ICMS. De qualquer forma, para ele, o Congresso pode decidir quais elementos integram ou não a base de cálculo.

Mesmo assim, o ministro lembrou que, em dezembro do último ano, o Plenário homologou um acordo entre União e estados sobre o ICMS de combustíveis. Na ocasião, ficou combinado que a questão das tarifas de energia seria debatida por um grupo de trabalho.

Assim, Mendonça entendeu convenitente suspender a regra da lei complementar, no intuito de “garantir mínimas condições de possibilidade para que prospere a alternativa autocompositiva ao intrincado conflito federativo e fiscal em tela”. Desta forma, votou por manter a liminar até o fim do grupo de trabalho.

A mesma questão discutida na ADI está pendente de julgamento de recursos repetitivos no Superior Tribunal de Justiça (Tema 986).

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ADI 7.195

Via Conjur