No último sábado, o contador carioca Renato Lacerda, 44 anos, auditor fiscal da receita estadual desde 1995, completou 100 dias com a chave do cofre do Estado em mãos. Amanhã ele entrega o cargo para o colega Paulo Ely e volta para a sua função de servidor. Em entrevista para a coluna, deixa claro que se o novo governador, Eduardo Pinho Moreira, decidir investir 14% da receita do Estado na Saúde terá de cortar em outras áreas ou elevar a carga tributária. O secretário, que apesar do sobrenome não é parente do ex-governador Jorge Lacerda nem do famoso político carioca Carlos Lacerda, prevê um acréscimo real de receita de 6% a 7% este ano em SC.  Como foi o desafio de fechar as contas do governo do Estado no ano passado?

Tivemos as dificuldades de qualquer administrador quando assume com uma gestão em andamento. Eu assumi em 1o de novembro, no final de sete anos do mandato do governador Raimundo Colombo. A vantagem principal é que a Secretaria da Fazenda tem uma equipe muito forte. As áreas têm total domínio dos processos e legislações sobre responsabilidade fiscal, orçamento e tributação. Por outro lado, você tem um cenário econômico complicado, de três anos de crise. Todas as áreas de governo já vinham com dificuldades financeiras, com despesas apertadas. Na Fazenda, tentamos fazer uma administração justa para que todos honrassem seus contratos.  O senhor completou sábado 100 dias como a chave do cofre do Estado. Qual foi o momento mais complicado?

O momento mais complicado foi chegar no fim do ano tendo que decidir, com os poucos recursos disponíveis, o que seria prioridade. A decisão foi do governador de pagar primeiro a folha, depois o 13º salário e, depois, os outros pagamentos.   A maior dificuldade foi a falta de verba para a Saúde, que exigiu a solução jurídica de questionar a legalidade do aumento de verba ao setor pela Assembleia?

Cada um ponto percentual a mais para a Saúde corresponde a R$ 250 milhões para essa área. Só que não é apenas isso. Temos várias vinculações da receita que são destinadas por legislação e a divisão para os poderes. Na ponta do lápis, posso calcular que seria necessário quase o triplo para ter essa verba para a saúde. De tudo o que entra de ICMS, por exemplo, 25% vão para os município. Do que sobra, 21,88% vão para os poderes e 25% para a Educação. Aí teria de colocar 14% para a Saúde. Se fizer isso, não sobra nada para lugar nenhum. Não terá recurso para Segurança, por exemplo. Fazendo uma conta provisória, para sobrar R$ 250 milhões para a saúde o governo teria que arrecadar no mínimo o dobro se considerar que a gente não coloca 25% na Educação. O que a população precisa entender é que não são só os R$ 60 milhões que faltaram. Seria preciso pelo menos mais R$ 150 milhões para poder dar uns R$ 30 milhões aos poderes, mais de R$ 30 milhões aos municípios e aí sobrariam os R$ 60 milhões para a saúde. Não é uma conta tão fácil assim. Além disso, preciso manter os salários em dia dos servidores ativos e inativos. O vice-governador, Eduardo Moreira, que assume amanhã o governo, prometeu destinar 14% para a saúde. Como ele pode conseguir?

Para colocar R$ 500 milhões a mais do que foi em 2016 na saúde, mantendo os mesmos investimentos nas outras áreas, acredito que terá de ter uma arrecadação de ICMS de pelo menos R$ 2 bilhões a mais. Agora, não querendo entrar em polêmica, mas a Fazenda não interfere na gestão da Saúde. Cada pasta faz a sua gestão. O que a Fazenda tem que fazer é os repasses conforme a legislação exige. O fluxo dos recursos financeiros têm que seguir. O Tesouro não pode atrasar a folha. Eu deixo de pagar a folha para pagar despesas de Saúde? Se os números do Tribunal de Contas do Estado estão certos, de que a Saúde tem uma dívida de R$ 1 bilhão, para pagar isso tem que atrasar um mês inteiro de salário dos servidores. A dívida da da pasta está perto do valor da folha, que está próximo de R$ 900 milhões, considerando trabalhadores ativos e inativos.  Quanto cresceu a arrecadação ano passado e qual é a expectativa para este ano?

A arrecadação do ano passado cresceu 8,2% com uma inflação de 2,95%. Então, isso resultou num crescimento real de 5%. Em janeiro deste ano, subiu perto 10%. Se seguir essa média, estamos prevendo um crescimento real de 6% a 7% para 2018.   Com esse crescimento real de 2018, o Estado terá como investir o que pretende na Saúde?

Esse crescimento real não será suficiente para pagar os dois pontos percentuais a mais para a saúde e manter todas as outras despesas no nível que está agora. Teria que fazer redução em outras áreas para garantir isso para a saúde. E ainda há o desafio do orçamento impositivo. Teria que aumentar mais a arrecadação? 

Chega num ponto em que o aumento da arrecadação só é possível se elevar impostos. Mas se o governo decidir manter a premissa de não elevar impostos, terá que reduzir gastos em outras áreas para conseguir manter as metas de Saúde e Educação e a folha de salários em dia. Com 12% que a Constituição federal determina (para a Saúde) é possível cumprir com folga. Agora, 14%, mais 25% da educação, mais a folha de ativos e inativos, tudo isso em dia com a mesma arrecadação, não tem como. Se a arrecadação precisa subir R$ 750 milhões para sobrar R$ 250 milhões, todo o crescimento real de arrecadação iria para essa diferença. Se o Estado decidir destinar 14% para a saúde, terá que reduzir em outras áreas. Não tem como manter todas as áreas no mesmo nível.  Em que áreas o governo poderia cortar?

É uma decisão estratégica de governo. Então vai tirar da Cultura, Segurança, pesquisa, universidade? Vai chegar um momento que a população terá que decidir: ou fica com um Estado mínimo, ou paga mais impostos.  Onde o Estado poderia aumentar a arrecadação considerando a situação atual? Vendendo empresas, arrochando a sonegação?

Teria que ser uma situação sustentável para manter a arrecadação. Se vender uma empresa, um bem, paga a conta daquele ano e não tem mais receita igual no ano seguinte. O controle que fazemos da fiscalização tributária é bastante eficiente, forte no varejo e nas grandes indústrias. Mas ter sustentabilidade exigiria elevar a carga tributária. Isso Santa Catarina não vai fazer. Se aumentar energia de 25% para 30% consegue arrecadação extra que resolveria os problemas, mas aí aumenta o custo da indústria e reduz a competitividade do Estado para atrair investimentos. O que tem que fazer mesmo é priorizar e controlar gastos. Aí entra a importância da atividade da Fazenda. Quando dizem que a Fazenda interfere, é que em todas as áreas têm que ter controles, auditorias internas e gestão. Entre os empregos do futuro mais bem pagos estão sempre os profissionais de finanças, controle e compliance. Quem trabalha isso no Estado é a Fazenda. A Saúde tem que ter gente que entenda de controles. Nós, da Fazenda, temos o melhor sistema de contabilidade pública do Brasil, mas a Secretaria da Saúde não usa o sistema adequadamente. Não é culpa nossa. O tribunal de contas vai apontar se há falta de controle na Saúde. Nessa hora eu gostaria que a Fazenda tivesse mil técnicos para fazer esses controles nas diversas secretarias.  O governo criou junto com a Fiesc a Investe SC, agência de atração de investimentos. Há muitos projetos ainda a serem anunciados este ano?

Esse é um projeto estratégico que precisa ser mantido. Muitos funcionários da Investe são gabaritados, mas são comissionados. Na semana que vem teremos uma visita de uma comitiva da Coreia do Sul. Há o risco de ficar apenas eu e outro servidor de carreira porque a equipe foi dissolvida. Acredito que nos próximos dois anos teremos uma procura gigantesca de estrangeiros para fazer investimentos diretos no Brasil. Santa Catarina está na vitrine. Os maiores projetos para este ano foram anunciados. Não podemos falar sobre os que ainda não foram anunciados. 

Via NSCTotal – Coluna Estela Benetti