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Estado terá valor recorde de renúncia de receita no próximo ano, conforme prevê LOA em discussão na Alesc

Santa Catarina prevê deixar de arrecadar R$ 20,1 bilhões em 2023 por conta de renúncia fiscal. O valor é a soma de benefícios, subsídios e outros regimes especiais de tributação concedidos pelo Estado para, entre outras coisas, incentivar o desenvolvimento de certas atividades econômicas ou regiões.

O número aparece no projeto da Lei Orçamentária Anual (LOA) para o próximo ano, que foi proposto pelo governo Carlos Moisés (Republicanos) e tramita na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), onde precisará ser aprovado, antes de receber sanção do governador.

O documento formaliza previsões de receitas e despesas do Estado e é elaborado sempre no ano anterior ao que entra em vigor — o de agora, portanto, vai guiar o primeiro da gestão Jorginho Mello (PL).

Em 2022, a previsão de renúncia fiscal ficou em R$ 14 bilhões. Haverá, assim, um aumento de 43,3% para o próximo exercício fiscal. O montante poderá acabar sendo ainda maior, já que o número consolidado costuma fugir da projeção, o que é permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

A LOA de 2021, por exemplo, apostava em R$ 6,34 bilhões, mas um relatório recém-publicado pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC) calculou que foram R$ 9,59 bilhões naquele ano.

Tratou-se de um recorde ao menos de 2019 para cá — antes disso, segundo o TCE, não era possível identificar o valor exato, por falta de contabilização e transparência, o que só foi viabilizado após um acordo de cooperação técnica com o Estado.

Os setores mais privilegiados

Em 2021, as maiores renúncias de receita se deram na forma de crédito presumido, um tipo de benefício com o qual o governo concede um valor a ser compensado na apuração do tributo que deve ser pago pela empresa, conforme explica o TCE-SC.

Na ocasião, o Estado concedeu R$ 2,26 bilhões em crédito presumido para saídas subsequentes de mercadorias importadas — valor que poderia ter sido arrecadado, portanto, com as vendas e transferências de produtos feitas por empresas importadoras. O montante representa 23,56% do volume total de tributos renunciados.

Na sequência, a maior parcela de renúncia veio de crédito presumido nas saídas de artigos têxteis, de vestuário, de artefatos de couro e seus acessórios das empresas catarinenses, benefício que somou R$ 1,77 bilhão, o equivalente a 18,49% do total.

Já o crédito presumido para produtos resultantes do abate de gados, aves e suínos representou a terceira maior renúncia, de R$ 1,10 bilhão (ou 11,50% do total).

Em 2023, o setor de importações deve ser mais uma vez o mais privilegiado, com estimativa de R$ 8,55 bilhões em renúncias, o equivalente a 42,24% do total.

Na sequência, aparecem os setores da agroindústria e alimentos, com R$ 5 bilhões renunciados (24,72%), e da indústria têxtil, que deixará de repassar R$ 1,9 bilhões aos cofres públicos (9,54%).

Há também R$ 509 milhões previstos de renúncias de caráter social, caso da redução da base de cálculo da cesta básica e das isenções de medicamentos para câncer, AIDS e Atrofia Muscular Espinhal (AME).

Contrapartidas

O economista Juliano Giassi Goularti, que pesquisa o tema, explica que as renúncias de receita devem ser acompanhadas de contrapartidas à economia local, como a geração de novos empregos e investimentos da empresa beneficiada, mas que não há garantia disso.

— A renúncia precisa ser convertida em investimento pelo empresário. Caso contrário, ao incrementar o lucro sem transformar o incentivo em política de investimento, a renúncia pode não apenas ser ineficiente para promover uma melhoria no mercado de trabalho, como pode estar acentuando as desigualdades sociais — diz Goularti, autor do livro “Desenvolvimento Desigual: incentivos fiscais e acumulação em Santa Catarina”.

Ele diz que algumas renúncias, caso do crédito presumido, são concedidas apenas para equiparar a competitividade da indústria catarinense à do restante do país, tentando atrair empresas em meio a uma guerra fiscal. Acrescenta, assim, que isso se estende a outros Estados, citando São Paulo e os vizinhos do Sul.

O pesquisador afirma que a renúncia fiscal ainda diminui investimentos ao menos em educação e saúde, uma vez que há percentuais mínimos definidos pela Constituição Federal de aplicação do que é arrecadado pelo Estados nessas duas áreas.

Ele calcula que, de 2010 a 2021, a educação em Santa Catarina deixou de ter R$ 14,41 bilhões de investimentos vinculados devido às renúncias fiscais, o equivalente a 25% do que deixou de ser arrecadado. Já a saúde, com mínimo constitucional de 12% de aplicação, perdeu R$ 7,39 bilhões.

Ao menos em 2021, no entanto, o Estado conseguiu aplicar investimentos acima do mínimo constitucional em ambas as áreas, o que ocorreu pela primeira vez na história no caso da educação, que recebeu 27,40% do que foi arrecadado (R$ 7,52 bilhões). A saúde teve 14,45% dos tributos recebidos, o que correspondeu a R$ 3,96 bilhões.

 

Desigualdade regional

Goularti afirma ainda que a distribuição atual dessas renúncias tem produzido uma desigualdade entre regiões catarinenses, por se concentrarem nas maiores cidades do Litoral, onde já há grandes empresas e complexidade econômica, em detrimento do Planalto Serrano, do Oeste e do Extremo-Oeste.

Em 2023, conforme o projeto da LOA, a região portuária de Itajaí, que concentra as importações do Estado, deve ter R$ 7,61 bilhões de receita renunciada, sendo a mais privilegiada. Já a região de Curitibanos, no Meio-Oeste, terá R$ 64 milhões, com menor volume de benefícios.

— Essa renúncia tributária acaba fomentando dentro do Estado um desenvolvimento desigual. Tanto é que, se for observada a evolução do PIB catarinense [Produto Interno Bruto] nas últimas duas décadas, há um processo de concentração dele em poucas regiões. As litorâneas estão cada vez mais ricas, e as demais, mais pobres.

— O incentivo pode gerar emprego, renda, desenvolvimento socioeconômico, porém, ele é desigual. Esse desenvolvimento em Jaraguá do Sul, Blumenau, Itajaí e Joinville não é o mesmo de, por exemplo, Romelândia, Riqueza, Guaraciaba e Flor do Sertão.

O economista acrescenta ainda que as renúncias diminuem o volume de repasses aos municípios, uma vez que 25% do que o Estado arrecada com ICMS vai para eles. Além disso, as cidades mais ricas passam a ter direito uma cota-parte cada vez maior disso.

O que diz o governo estadual

À reportagem, a Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina (SEF-SC) comunicou que a política fiscal da gestão Moisés, que aumentou a cada anos os valores renunciados, partiu de um projeto minucioso de revisão dos benefícios em 2019, mesmo ano do acordo de transparência com o TCE-SC.

Antes disso, segundo a pasta, as renúncias eram concedidas especificamente às empresas, e não deliberadas por setores, e sem avaliação contínua das eventuais compensações causadas pela política, o que colocava em xeque a isonomia, a segurança jurídica e a transparência dela.

A SEF-SC afirmou adotar agora um acompanhamento por meio da Diretoria Administração Tributária (DIAT) para entender se os benefícios se justificam e quais seus impactos na cadeia produtiva do Estado. Além disso, as renúncias propostas pelo governo passam agora por prévio aval da Alesc.

A pasta também reforçou que as maiores renúncias fiscais hoje se devem à necessidade de atrair novos empresários e de manter setores econômicos catarinenses já consolidados ainda competitivos.

“É o caso da indústria têxtil catarinense, que corresponde a 12% da indústria geral no Estado e gera mais de 161 mil empregos formais, de acordo com dados da Federação das Indústrias de Santa Catarina [Fiesc]”, escreveu a pasta, em nota. No projeto da LOA de 2023, é destacado, ao se justificar os benefícios, o processo de abertura comercial da China como uma das principais ameaças ao setor têxtil.

No caso dos benefícios concedidos às empresas importadoras, a SEF-SC afirmou que eles atendem a toda a indústria catarinense, que carece de insumos de fora para produzir.

A gestão Moisés ainda destacou que, mesmo com as renúncias, o Estado conseguiu bater recorde de arrecadação no ano passado, de R$ 36,2 bilhões. Acrescentou também que a política econômica se mostrou acertada até aqui em outros indíces econômicos, mesmo sob impacto da pandemia.

“Somente em 2021, o saldo na geração de novos postos de trabalho foi de 168 mil, aproximadamente, e neste ano, foram 118 mil somente até setembro, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados [Caged]. Já sobre a abertura de novas empresas no Estado, no ano passado foram criadas 205 mil e, até o último mês, foram 160 mil novos negócios gerados, segundo números da Junta Comercial do Estado de Santa Catarina [Jucesc]”, escreveu.

Leia a íntegra do que diz a SEF-SC

No início de 2019, a Secretaria de Estado da Fazenda (SEF/SC) iniciou um minucioso trabalho de revisão dos benefícios fiscais, analisando todos os itens que recebem incentivos e seus impactos na cadeia produtiva. Antes deste período, os benefícios eram concedidos por empresas e sem qualquer avaliação posterior. Com a ação, os incentivos passaram a ser autorizados com aval da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc) e por setores, assim, dando mais transparência, isonomia e segurança jurídica às empresas instaladas no Estado.

Prova é que, mesmo com o impacto econômico com a pandemia de Covid-19, a economia de Santa Catarina continuou crescendo e expandido, atraindo mais empresas e gerando empregos. Somente em 2021, o saldo na geração de novos postos de trabalho foi de 168 mil, aproximadamente, e neste ano, foram 118 mil somente até setembro, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Já sobre a abertura de novas empresas no Estado, no ano passado foram criadas 205 mil e, até o último mês, foram 160 mil novos negócios gerados, segundo números da Junta Comercial do Estado de Santa Catarina (Jucesc).

As maiores renúncias fiscais são para setores já consolidados na economia catarinense, mas que necessitam de incentivos para continuarem competitivos. É o caso da indústria têxtil catarinense, que corresponde a 12% da indústria geral no Estado e gera mais de 161 mil empregos formais, de acordo com dados da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc). Outro caso é o de aves e suínos, na qual Santa Catarina é um dos grandes exportadores. O Estado é o segundo maior produtor nacional de frango e, somente no primeiro trimestre deste ano, faturou US$ 471,9 milhões, aumento de 28% em relação ao mesmo período do ano anterior. Já em suínos, Santa Catarina é o maior exportador nacional, com market share de 56,9%. Importante salientar que tanto as aves quanto os suínos tiveram redução de ICMS de 12% para 7% em 2019, após estudos técnicos realizados pela SEF/SC e passaram a integrar a cesta básica catarinense.

Além destes segmentos destacados, o Estado também concede benefícios fiscais para outros setores, incluindo alimentação de bares e restaurantes, diversos produtos alimentícios, transporte aéreo e coletivo, embarcações, entre outros; bem como isenções de ICMS para equipamentos e acessórios destinados à saúde, fármacos e medicamentos destinados à prestação de serviços de saúde pela administração pública, para tratamentos de câncer, do vírus da Aids, da Atrofia Muscular Espinhal (AME), para compra de veículos por Pessoas Com Deficiência (PCDs), taxis, entidades assistenciais, diesel para embarcações pesqueiras, saídas de insumos agropecuários, por exemplo.

De acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023, que está tramitando na Alesc, os incentivos fiscais para o próximo ano devem atingir R$ 20,2 bilhões.”

Via NSCTotal – Diário Catarinense