O secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, Felipe Salto, defende que a fusão do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) com outros tributos seja feita em um segundo momento da Reforma Tributária. A declaração foi dada à revista eletrônica Consultor Jurídico na quinta-feira (17/11), durante o 4º Congresso Codecon-SP (Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo). A conferência ocorreu na sede da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), no centro da capital paulista.

Salto se reuniu nessa semana com o vice-presidente da República eleito, Geraldo Alckmin (PSB), para propor projeto de emenda constitucional que permita o aumento da margem de gastos orçamentários no Governo Lula (PT). O secretário também está cotado para assumir a presidência do Tesouro Nacional, embora tenha negado na entrevista a existência de qualquer convite para assumir o posto.

Para Felipe Salto, há risco de a Reforma Tributária gerar volume alto de judicialização, a depender das mudanças que forem promovidas. “Se for uma reforma no sentido de simplificar o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), acho positivo. O que me preocupa é que a gente vá para algo que revolucione o regime de ICMS, um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) nacional, que acho que tem que ser uma segunda parte do processo”, defendeu.

Apesar do receio, Salto diz apoiar as PECs (Propostas de Emenda Constitucional) 110/19 e 45/19, que trazem a fusão do ICMS com outros tributos. A primeira proposta conta com um período de cinco anos de transição até a implementação, enquanto a segunda propões um prazo de dez anos.

O secretário avalia ainda que falta articulação do Congresso com os governadores e prefeitos, além de diversos setores econômicos, para a aprovação das mudanças. “Cada um deles tem uma visão diferente sobre os efeitos que uma reforma como essa poderia produzir. Veja o tempo que a gente gasta com a guerra fiscal. São Paulo tem uma estratégia de defesa contra Santa Catarina, Minas Gerais, Goiás, contra estados que colocam em cima da gente um monte de incentivos tributários (criados para atrair investimentos outrora destinados a São Paulo)”, critica.

Salto participou do painel de fechamento do congresso. Em sua fala, lembrou que Lula não conseguiu aprovar uma Reforma Tributária em seu segundo mandato presidencial, ainda que contasse com índices de aprovação popular elevados. O motivo seria a tentativa de realizar uma reforma ampla frente à quantidade de interesses envolvidos. “É melhor escolher as brigas, buscar os consensos”, defendeu.

Confira abaixo outros temas tributários que foram discutidos durante o 4º Congresso Codecon-SP:

Nova legislação
O Senado Federal deve começar a analisar em breve a aprovação do Código de Defesa do Contribuinte, que institui prêmios e punições para os contribuintes e faz alterações no procedimento de cobrança de tributos. A proposta, idealizada por meio do Projeto de Lei Complementar 17/22, foi aprovada no último dia 8 de outubro na Câmara dos Deputados.

O painel de abertura do congresso contou com a presença do deputado federal Felipe Rigoni (União Brasil), autor do projeto. O parlamentar defendeu que o cumprimento da nova legislação dependeria principalmente do governo federal, caso seja aprovado pelos senadores e depois sancionado pelo Palácio do Planalto. “Para esse código ser cumprido, precisaremos especialmente que o governo dê mais recursos e mais pessoas para a Receita Federal. Para cumprirmos de fato, vamos ter que equipar com tecnologia. Para (o contribuinte) ter uma vida harmoniosa com o Fisco, vão precisar equipar”, defendeu.

O deputado afirmou ter conversado com senadores sobre o código, e que a expectativa é que ele seja aprovado o mais breve possível. O objetivo da proposta é apresentar melhor equilíbrio de tratamento entre o bom e o mau contribuinte. E uma das mudanças sugeridas é que o pagador de tributos passe a ter o direito, a qualquer momento, de ser informado sobre procedimento de cobrança tributária existente.

Já as punições passariam a ser proporcionais, como no caso do contribuinte que comete erros em cálculos na declaração de tributos. “Tal erro não será considerado crime. Se o cara errou, ele vai pagar simplesmente pelo erro. Não será motivo para ser considerado um mal contribuinte”, ponderou Rigoni.

O presidente do Codecon-SP, Márcio Olívio da Costa, defendeu que haja mais harmonia entre a Fazenda estadual e os pagadores de tributo, e vê melhoras nesta relação nos últimos anos. “No passado, o Fisco estadual enxergava o contribuinte com preconceito, como sonegador. O contribuinte também tinha mau conceito do Fisco, o prejulgando como perseguidor. Não é utopia viver em harmonia com a Administração Pública”, analisou.

Esse primeiro painel teve a moderação de Florêncio dos Santos Penteado Sobrinho, ouvidor da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz/SP) e secretário do Codecon-SP. Penteado ressaltou a importância de promover o debate de diversos operadores de Direito a respeito de temas tributários. “Esse diálogo é muito importante para nós no Estado Democrático de Direito. Essa é a nossa função, essa é a nossa necessidade”, declarou.

Conformidade tributária
O segundo painel do evento discutiu os quatro anos de criação do programa estadual “Nos Conformes”, criado pela Lei Complementar 1.320/18 para estimular a regularização de contribuintes que devem o pagamento de tributos.

O subsecretário da Receita Estadual (SRE/SP), Luiz Marcio de Souza, afirmou que espera que o “Nos Conformes” seja utilizado pela gestão do governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos). “O programa visa ao enfrentamento dos atuais problemas do sistema tributário, que prejudicam a produtividade e a competitividade do Estado, e proporcionou o tratamento diferenciado entre os contribuintes, conforme sua classificação de bom pagador”, ressaltou.

Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho, advogado, consultor e ex-secretário da Fazenda dos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, lembrou que o programa tem como um dos princípios a ética concorrencial. A existência de maus pagadores de tributos ameaça a concorrência justa entre as empresas. “O sonegador tem um potencial de concorrência muito mais elevado do que aquele que pagou o impostou”, lembrou.

A moderação coube a Guilherme Alvarenga Pacheco, representante da Afresp (Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo). Pacheco destacou que, dos 33 regulamentos da Lei de Conformidade Tributária, 18 são relacionados à autorregularização, quando o contribuinte toma a iniciativa de se regularizar junto ao Fisco, e às contrapartidas para que ele tome essa decisão.

Criminalização e cobrança do ICMS
O terceiro painel discutiu os efeitos do RHC (Recurso Ordinário em Habeas Corpus) 163.334 do Supremo Tribunal Federal. Promulgado em dezembro de 2019, o Recurso Ordinário tornou um crime contra a ordem tributária declarar e deixar de recolher o ICMS. O artigo 2°, inciso II da Lei 8.137/90 determina que é um crime contra a ordem tributária não fazer o recolhimento do valor de tributo ou de contribuição social.

Para Heloisa Estellita, consultora e parecerista na área do Direito Penal, o Supremo julgou de forma política ao aplicar a lei na cobrança do ICMS. “Não há apropriação de coisa alheia que pertença ao ente contribuinte, no máximo, (pertencente) ao (próprio) contribuinte. Trata-se de uma orientação político-criminalmente indesejável”, afirmou.

Roberto Delmanto Júnior, advogado criminal e parecerista, apontou que há uma criminalização por parte do Poder Judiciário na área Tributarista. “É uma postura cada vez mais forte. Já existe uma violência contra o comerciante e o empresário. As multas (pelo não pagamento de tributos) são absurdas, e as dívidas ficam impagáveis. O Supremo Tribunal Federal, no seu ativismo, criou o crime de não recolhimento dentro desse estado policialesco. Dessa ficção, criou-se o monstro da apropriação indébita”, criticou.

Já Humberto Gouveia, representante da Facesp (Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo) e moderador do painel, acredita que a aplicação da Lei 8.137/90 nesse sentido deve continuar caso uma eventual Reforma Tributária promova a fusão do ICMS com outros tributos. “Temos um instrumento penal desenvolvido pelo Tribunal. Se começarmos uma reforma, talvez (seja criado) um IVA (Imposto sobre o Valor Agregado). Essa questão penal pode vir a ser mais reforçada”, prevê.

Precedente judicial e processos administrativos
O quarto painel abordou a utilização de decisões judiciais como precedentes em processos que tramitam junto a órgãos administrativos.

Argos Campos, presidente do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) paulista, lembrou que não há vinculação automática entre decisões da Justiça e o órgão administrativo. “As internalizações do Judiciário não são imediatas para nós”, relatou.

Já Marina Vieira de Figueiredo, professora do mestrado do Ibet (Instituto Brasileiro de Assuntos Tributários) e juíza substituta do TIT, afirmou que os precedentes a serem utilizados dependem da interpretação de cada julgador. “O processo administrativo tem a sua legislação específica. Alguns falam da aplicação de precedentes. Não dá para se furtar da aplicação nos tribunais administrativos. Tem que olhar o precedente e verificar o que foi efetivamente decidido”, acrescenta.

A moderação do painel foi de Raphael Zulli Neto, representante da Coordenadoria da Administração Tributária da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e juiz do TIT. “Temos que ler, estudar e considerar os precedentes. Precisamos saber com muito cuidado qual é o alcance da decisão”, defendeu.

Repercussão geral e Tribunais Superiores
Já no quinto painel, foi discutida a importância de julgamentos em repercussão no STF e no STJ na área tributária. Em fevereiro de 2021, o Supremo decidiu que era inconstitucional a cobrança do Difal (Diferencial de Alíquotas) do ICMS decorrente da EC (Emenda Constitucional) 87/15. A exigência tributária dependeria da criação de Lei Complementar.

Alessandra Heloise Vieira, diretora tributária da Via Varejo, relata que a empresa sofreu com reclamações de consumidores por conta do atraso de mercadorias retidas por Estados que não reconheciam a decisão em repercussão geral do STF. “Mesmo levando os casos às delegacias do consumidor, os entes públicos ignoravam o que estava acontecendo. Para os negócios, mesmo com a repercussão geral, a insegurança jurídica é imensa. Além da insegurança, cada Estado entende (as decisões judiciais na esfera tributária) de um jeito”, afirmou.

Osvaldo Santos de Carvalho, mestre e doutor em Direito Tributário pela PUC-SP e professor do mestrado do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, analisou que é preciso progredir com o sistema de precedentes, de modo que as decisões em repercussão geral cada vez mais passem a ser acatadas. “Os Tribunais devem uniformizar sua jurisprudência, mantê-la instável, íntegra e coerente”, pontuou.

A moderação das falas foi responsabilidade de Renata de Cássia Andrade, coordenadora tributária da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Renata lembrou da importância de diminuir o volume de judicialização por parte do empresariado. “O (setor) fiscal (das empresas) deve observar súmula do STF, do STJ, observar decisões tomadas em repercussão geral, ter atenção a isso e às aplicações práticas dos precedentes”, declarou.

Modernização do processo tributário
O tema do sexto painel foi a utilização de meios alternativos para a solução de disputas tributárias como uma forma de modernizar o processo de cobrança de tributos.

Eurico de Santi, professor e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), propôs a criação de uma Lei de Arbitragem Tributária. Atualmente, o projeto tem sido estudado por Santi.

O professor também citou o Projeto de Lei 4468/20, da senadora Daniella Ribeiro (PP), que prevê a criação do método de solução de conflitos na área tributária e aguarda movimentação na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal desde outubro de 2021. “É preciso ressignificar o conceito de Direito, legalidade e segurança jurídica na solução de conflitos”, defendeu.

Já Halley Henares, presidente da Abat (Associação Brasileira de Advocacia Tributária), afirmou que a Lei 14.375/20 trouxe regulamentações importantes para a transação tributária, como é chamada a negociação de dívidas com o Fisco. “A mediação e arbitragem são fundamentais nesse momento. Temos um cenário de litigância (de acúmulo de disputas judiciais) entre o Fisco e os contribuintes”, pontuou.

A moderação do painel coube a Carlos Leony Fonseca da Cunha, presidente da Afresp (Associação dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo). Cunha lembrou que o volume de recursos discutidos na Justiça em ações tributárias soma R$ 5,44 trilhões, o que corresponde a cerca de 75% do PIB (Produto Interno Bruto) do país. O levantamento foi realizado em dezembro de 2020 pelo (Conselho Nacional de Justiça) e pelo Instituto Insper. “A verdade é que nenhum país do mundo tem um contencioso tributário do tamanho do nosso. Sejam quais forem os instrumentos que tivermos à nossa disposição, vamos ter que resolver esse problema se o Brasil quer participar da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)”, previu.

Supremo e ativismo judicial
O penúltimo painel teve como palestrante o jurista Ives Gandra da Silva Martins, que defendeu que o Judiciário é um poder constitucional de caráter técnico e que o STF deveria evitar a politização. “A Constituição prevê a harmonia e independência entre os poderes. A linha doutrinadora traz insegurança jurídica e, em relação a questão tributária, é ainda mais grave”, criticou.

O painel foi moderado pela vice-presidente do Codecon-SP, Valdete Marinheiro, que relembrou que a criminalização da cobrança do ICMS também seria fruto da politização do Judiciário. “Ficou muito claro que essa decisão (do Supremo) criou um tipo penal que o próprio Direito Penal não admite”, finalizou.

 

Via Conjur