A recente greve dos caminhoneiros explicitou a economia política do petróleo e os conflitos distributivos nela presentes. Tributos sobre combustíveis pesam no preço final ao consumidor, mas geram receitas relevantes, principalmente para os Estados, o que talvez explique a dificuldade dos governadores em acompanhar o governo federal – que reduziu as alíquotas de tributos federais – e também reduzir as alíquotas do ICMS incidentes sobre o diesel. As perspectivas positivas para a produção nacional e para o preço internacional de petróleo em 2018 e 2019, ainda que resultem em choques de custos para alguns setores (no caso da alta dos preços), devem impulsionar a arrecadação dos Estados e prover algum alívio na dramática situação fiscal em que muitos deles se encontram. A distribuição de royalties do petróleo, altamente relacionada à preço e produção e definida na Lei 12.734/12, garante certa repartição dos ganhos de exploração e produção da commodity entre União, Estados e municípios, mas mantém os ganhos concentrados nos Estados produtores.

Nesse sentido, apesar de todos os Estados se beneficiarem das boas perspectivas para preço e produção neste e no próximo ano, os Estados produtores, como Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Rio Grande do Norte, Bahia, dentre outros menores, beneficiam-se mais.

Para este ano, projetamos preço médio do barril tipo Brent em US$ 71,4 (+31,2%) e produção de 1 bilhão de barris (+4,9%). Já em 2019 prevemos preço médio do Brent em US$ 69,8 (-2,2%) e produção de 1,151 bilhão de barris (+14,7%). Estimativas econométricas baseadas num painel de dados no período 2004 a 2016 apontam que a alta dos preços e da produção tem efeitos diretos e indiretos sobre as receitas estaduais.

Primeiramente, existe uma relação direta entre o preço, a produção de petróleo e a arrecadação de royalties. Nossas estimativas indicam que uma alta de 1% no preço do Brent gera impacto direto de 1,35% nas receitas de royalties. Tal efeito é complementado por alta adicional de 0,4% nos royalties para um dado aumento de 1% na produção (já contemplando o efeito preço sobre a produção). Com base nessas estimativas, projetamos royalties de R$ 12 bilhões (+44,9%) em 2018 e R$ 12,4 bilhões (+2,7%) em 2019.

Em segundo lugar, existe uma relação indireta entre o preço de petróleo e a arrecadação de ICMS. Tal efeito ocorre por meio do impacto positivo que a alta dos preços do petróleo produz sobre a atividade econômica do Estado, muito provavelmente refletindo um efeito-renda. Para capturarmos esse efeito, realizamos uma análise de painel em dois estágios, utilizando a PMC ampliada como proxy da atividade econômica (considerada como variável endógena e não diretamente relacionada ao petróleo) e o preço do petróleo como variável exógena instrumental.

A natureza volátil das receitas impede seu uso como instrumento principal de um ajuste fiscal estrutural

Além dessas, incluímos variáveis de produção de petróleo. Pelas estimativas, uma alta de 1% nos preços de petróleo leva a uma alta de 0,45% na PMC (primeiro estágio), que, por sua vez, leva a uma alta de 0,58% sobre o ICMS (segundo estágio). Tendo por base a arrecadação total de R$ 441 bilhões de ICMS em 2017 e os efeitos indiretos acima mencionados, além das nossas projeções para a PMC em 2018 (+4,7%) e 2019 (+3,9%), a alta adicional de ICMS decorrente do efeito-renda produzido pelos preços de petróleo no comércio ampliado em 2018 e 2019 deve ser de, respectivamente, R$ 13,7 bilhões e R$ 10,2 bilhões (a preços de 2017).

Estados produtores em frágil situação fiscal terão a oportunidade de aproveitar o bom momento do setor de petróleo para aliviar a pressão sobre suas finanças. O Rio de Janeiro, por exemplo, maior produtor nacional de petróleo, responsável por pouco mais de 71,5% da produção total e beneficiado por 71,8% das receitas de royalties no período 2010 a 2016, encontra-se na última posição do pilar de solidez fiscal do Ranking de Competitividade dos Estados (http://www.rankingdecompetitividade.org.br/).

Além do mais, de acordo com o Monitoramento Fiscal de Estados e Municípios da Tendências, que avalia a saúde fiscal e financeira dos entes a partir de uma nota ponderada de 0 (pior) a 10 (melhor) com base em 6 indicadores fiscais e financeiros, o Rio de Janeiro obtém nota 0,09, equivalente a uma situação de default. Mas as perspectivas positivas de preço e produção de petróleo devem fazer com que o Rio de Janeiro receba algo como R$ 8,6 bilhões e R$ 8,9 bilhões em royalties neste e no próximo ano. Trata-se de um montante relevante, superior, por exemplo, ao déficit primário de R$ 6,2 bilhões observado em 2017.

Situação similar pode ser descrita para o Rio Grande do Norte, quarto maior produtor nacional, responsável por 2,6% da produção total e da distribuição de royalties no mesmo período, mas que obteve a 18ª posição no pilar fiscal do Ranking de Competitividade, além de nota 3,9 no Monitoramento Fiscal de Estados e Municípios, equivalente a uma situação fiscal muito fraca. Com base nas perspectivas para o petróleo deste e do próximo ano, o Estado potiguar deve receber, respectivamente, algo em torno de R$ 312 milhões e R$ 322 milhões em royalties, montante que pode ser considerado razoável se comparado ao déficit primário de R$ 422 milhões de 2017.

Os dados sugerem que a situação fiscal dos Estados deve ser aliviada neste e no próximo ano em função das perspectivas positivas de preço e produção de petróleo. De fato, tal efeito já pôde ser observado em 2017, quando a combinação de alta de preço (23,5%) e produção (4,2%) do petróleo resultou em arrecadação estimada de R$ 8,3 bilhões (+28,2%) nos royalties distribuídos aos Estados, gerando ganho extra de quase R$ 2 bilhões na comparação com o ano anterior.

Além destes efeitos diretos, tais altas devem ter gerado potenciais efeitos indiretos sobre o ICMS, cujo crescimento real de 4,1% em 2017 foi bem superior ao crescimento de 1% do PIB brasileiro. As receitas geradas direta ou indiretamente pela alta do petróleo devem ajudar muitos Estados a recomporem seu caixa e fazerem frente às suas obrigações mais urgentes. Porém, sua natureza volátil e pontual impede que sejam usadas como instrumento principal de um ajuste fiscal estrutural nos governos regionais, uma vez que este passa pela reestruturação e revisão dos gastos obrigatórios, que, em muitos casos, consomem mais de 80% do orçamento.

 

Via Valor Econômico