A substituição tributária (ST), dado a complexidade do sistema tributário no Brasil, por óbvio, juntou muitos teóricos entre seus defensores. Na teoria é matéria que nos possibilita divagarmos a respeito de seus milagrosos benefícios, tendo alguns menos envolvidos com o acompanhamento das operações na prática (auditorias), divulgado seus milagres e pregando até mesmo o “fim da sonegação”.

A realidade é outra bem diferente. Para aqueles grupos de produtos que não se encontra presente a ideia de substituição de uma massa grande de contribuintes varejistas, por uma pequena de contribuintes fabricantes, temos notado que o sistema se mostrou radicalmente perverso aos cofres estaduais.

Com a recente decisão do STF no RE 593849 – Minas Gerais, que a meu ver, condenou à morte o antigo sistema de substituição tributária, determinou a necessidade urgente para os Estados da federação, promoverem a reforma de suas legislações, talvez até da legislação federal (ICMS), para poder atender às orientações emanadas da decisão daquele processo, antes que se inviabilize os orçamentos estaduais.

Me parece que é assim que já vem sendo tratado a questão em Santa Catarina, uma vez que foi criado um grupo de trabalho com orientação para sugerir alterações da legislação, de forma a proporcionar a mudança necessária ao atendimento da citada decisão do STF; tenho que entre as principais diretrizes, sempre que possível, está a automatização dos procedimentos, de forma a permitir que sejam conferidos os cálculos dos valores da restituição do ICMS “pago a maior”, sem que se comprometa a máquina de fiscalização da Fazenda, uma vez que se sabe, pela complexidade e quantidade de processos, para uma análise caso a caso, o trabalho hercúleo afastaria os auditores fiscais de sua real atividade, que é fazer auditoria e atuar na melhora da arrecadação tributária do Estado.

Contudo não podemos esquecer que os problemas relacionados a substituição tributária, não se resumem àqueles relacionados com a malfadada restituição de valores pagos a maior. Ao contrário, bem antes da decisão do STF, em meados de 2015, o Grupo de Especialistas que fiscalizam supermercados (GESSUPER), já havia reunido argumentos sólidos e suficientes para demonstrar os prejuízos que a prática traz ao Estado, notadamente em relação aos produtos que não se enquadravam nos conceitos originais que permitiram a criação do sistema na Constituição Federal (ver voto dos Ministros).

Qualquer sistema que se pretenda eficaz, precisa possibilitar fácil controle das operações por parte do Estado.

Assim os especialistas do GESSUPER, com auxílio da automação eletrônica, vêm, mais do que nunca, efetivamente fazendo auditoria fiscal, e acreditamos de muito bom nível.

Foi a partir destas auditorias, quando foram fiscalizadas todas as grandes redes de supermercados do Estado, além de centenas de outras empresas de porte médio e grande, que, após analisarmos centenas de milhares de mercadorias, e milhões de operações (registros), os resultados foram surpreendentes. Constatamos, e isso hoje é de conhecimento geral na SEF, que a sonegação do imposto no setor se mostrou absurdamente fora dos padrões conhecidos até então, e o “fator substituição tributária”, estava sempre presente, direta ou indiretamente, entre as principais causas da sonegação.

Foram recuperados (lançados) aos cofres estaduais, pelo menos meio bilhão de reais em notificações fiscais, alcançando todos os contribuintes fiscalizados; sem exceção.

Nos convencemos, pelas formas complexas e variadas de sonegação propiciadas pelo sistema de substituição tributária, em relação aos produtos do grande varejo, especialmente para mercadorias que possuem grande quantidade de fabricantes, muitas vezes sediados em outras unidades da federação, que o sistema é um instituto FALIDO, e vem causando enormes prejuízos à arrecadação estadual, além de estar criando um passivo oculto, que em algum momento ia aparecer (já começa a surgir), e criar sérios prejuízos financeiros ao Estado de Santa Catarina.

O sistema se mostra (neste ponto) tão favorável aos contribuintes, que a retirada de produtos da sistemática, nunca esteve presente nos pleitos que chegavam à SEF. O setor cresceu na última década de forma desproporcional, sendo que algumas redes mais que dobraram de tamanho. É preciso estancar a sangria aos cofres do Estado urgentemente.

Quer mais um problema? Quem pratica a fiscalização do ICMS no dia a dia, já percebeu inclusive que o sistema de substituição tributária é tão perverso, que ao ser adotado impede o Estado de avaliar objetivamente se determinada “empresa” está contribuindo, a partir de parâmetros de proporcionalidade ao seu faturamento, por exemplo em relação às demais empresas do setor. Explico: nos dias atuais, qualquer empresa possui indicadores de análise de seus clientes, fornecedores, produtos, etc. No caso do Estado, é primário que se tenha um simples indicador que aponte para a necessidade de verificação fiscal de um determinado contribuinte que, ao ser observado, demonstre estar abaixo dos padrões aceitáveis de recolhimento de imposto, se comparado com seus pares no setor.

A ferramenta para isso até existe (SAT – Conta Corrente – Consulta do Perfil Fiscal do Contribuinte), mas o indicador apresentado não é adequado. O que acontece é que, a substituição tributária está presente nos produtos originados de milhares de fabricantes, responsáveis pelo pagamento antecipado dos valores devidos de imposto, relativamente a estes produtos comercializados pelo contribuinte substituído (varejista), ocorrendo assim uma pulverização destes recolhimentos entre tantos fornecedores, distribuidores, dentro e fora do Estado, além do próprio contribuinte substituído, tornando impraticável garimpar todos estes recolhimentos, feitos por milhares de empresas, para serem alocados a um determinado contribuinte que se está avaliando.

Originalmente, a Lei que criou o sistema ST, estava alicerçada basicamente no princípio da “praticidade”, possibilitando a inclusão somente daqueles produtos que possuíam uma quantidade muito reduzida de fabricantes e ao mesmo tempo tinham uma GRANDE quantidade de varejistas; é o caso do cimento e do cigarro, por exemplo.

Posteriormente, os Estados que viam na sistemática uma forma eficaz de cobrança e controle do ICMS, resolveram estender o sistema para uma enorme quantidade de produtos, de todas as espécies e com milhares de fabricantes espalhados por todo o território nacional, desvirtuando completamente a lógica original da sistemática, e em muitos casos impossibilitando qualquer controle pelos fiscos estaduais. O que se tinha eram discursos de que o sistema era bom para a arrecadação, mas na prática ninguém fiscalizava o varejo; então não se podia saber.

Espero que a lição tenha sido aprendida, e que não se queira “inventar” novas ideias pensando em atender apenas a necessidade arrecadatória do Estado. É preciso levar em consideração a simplificação dos procedimentos e a redução dos custos que envolvem um sistema complexo; os Estados, na implantação do novo sistema, para não cometerem ilegalidades, precisam estar atentos às orientações contidas nas entrelinhas dos votos dos Ministros do STF.

É neste contexto que gostaria de destacar aqui, citando o ministro Luís Roberto Barroso, que, ao apresentar seu voto-vista naquele processo, acompanhando o relator afirmou que, uma vez que há a possibilidade de se apurar a operação real, não há que se usar o valor presumido. Segundo ele, quando o regime foi introduzido pela Emenda Constitucional 3/1993, a lógica adotada foi de que no estágio em que se encontravam o sistema de administração e fiscalização tributária, era inviável a apuração do valor real da venda. Por isso, a fórmula da substituição tributária foi uma medida pragmática para se evitar um ônus excessivo ao Fisco. Ele complementa: “Os recursos e a técnica de fiscalização evoluíram nos últimos anos, e não é tão difícil a apuração do valor real, tanto que vários estados passaram a prever a restituição”.

Do voto do ministro Ricardo Lewandowski, destaco: “…de um lado, institui uma técnica especial de arrecadação, denominada substituição tributária para frente, que objetiva tornar mais simples e eficaz a exação fiscal; de outro, estabelece uma garantia em favor do contribuinte contra eventual excesso do poder de tributar. Com efeito, quando o constituinte, no art. 150, § 7°, da Constituição, permitiu que se atribua a determinado contribuinte a obrigação de recolher um imposto cujo fato gerador ocorrerá em momento posterior, teve em mente otimizar a arrecadação e reduzir a possibilidade de sonegação. E, embora tenha esta Suprema Corte considerado legítima a técnica da substituição tributária para frente, ela não deixa de ser uma forma excepcional de arrecadação, devendo ter, por isso mesmo, suas bases e limites muito bem definidos. A excepcionalidade dessa técnica decorre exatamente da circunstância de se permitir a tributação de um fato ainda não ocorrido, ou melhor, de um fato que terá lugar no futuro. ”

E ainda precisamos aprender com o voto do relator MINISTRO TEORI ZAVASCKI, de onde separei: “1. O ideal, nesse domínio de imposição tributária, seria que a base de cálculo, em todas as operações, correspondesse exatamente ao valor da operação, no exato momento em que ela ocorresse, e que nesse momento se exigisse do contribuinte a satisfação da exação. Em outras palavras: o ideal seria que não houvesse o fenômeno da chamada “substituição tributária progressiva” ou “para frente”.

  1. 2. Todavia, por opção do próprio legislador constituinte (EC 03/93), preocupado originalmente em evitar a guerra fiscal entre Estados, mas também em razões de praticidade e eficiência na arrecadação do tributo, foi introduzido o § 7º do art. 150 da CF, que certamente representa um modelo específico, e como tal deve ser interpretado e aplicado, mesmo que não atenda à perfeição o modelo idealizado. ”

Zavascki continua: “Sobre esse novo modelo, reproduzo, no particular, voto do Min. Ilmar Galvão, proferido na ADI 1851: (…) “A substituição progressiva , ou para frente, que alguns acham ser instituição recente, posto prevista em nossa legislação pelo menos desde 1968, repita-se contrariamente à regressiva, tem por contribuintes substituídos, por sua vez, uma infinidade de revendedores do produto (e por óbvio poucos fabricantes; nota minha), circunstância que dificultaria e oneraria, de maneira acentuada, a fiscalização. Sua prática impede a sonegação sem prejudicar a garantia do crédito tributário, visto que o tributo pelas operações subsequentes, até a transferência da mercadoria ao consumidor final, é recolhido sobre o valor agregado. Nessa espécie, em vez do diferimento, o que ocorre é a antecipação do fato gerador e, consequentemente, do tributo, que é calculado sobre uma base de cálculo estimada. (…) …na verdade, visa o instituto evitar, como já acentuado, a necessidade de fiscalização de um sem-número de contribuintes, centralizando a máquina-fiscal do Estado num universo consideravelmente menor, e com acentuada redução do custo operacional e consequente diminuição da evasão fiscal. ”

 

Acho que merece destaque também, da obra de Greco, citado naquele processo: “Existir uma exigência antecipada de tributo não fere o princípio da segurança das relações jurídicas, desde que seja atendida a cláusula constitucional da vinculação. Não é qualquer exigência, a pretexto de qualquer evento futuro, que está autorizada pela Constituição. (…). Portanto, a própria Constituição veda a criação de antecipações/substituições arbitrárias. ” (GRECO, 1999:56).

Portanto, para justificar-se uma nova forma excepcional de arrecadação, será preciso resgatar o chamado princípio da praticidade, isso tanto para o fisco quanto para o contribuinte, e a meu ver, isso não será possível, em nenhuma hipótese para todos aqueles produtos que foram incluídos na substituição tributária nos últimos anos, e que, como todos os demais produtos que possuem tratamento NORMAL pela legislação, também possuem muitos fabricantes e distribuidores espalhados pelo Brasil.

É importante ainda registrar que, não é inteligente e onera com custos dispensáveis, o Estado manter duas legislações atualizadas, onde, em tese poderia ser apenas uma; sendo que a que trata das regras da substituição tributária, para os produtos em questão, é ainda bem mais complexa e traz enormes dificuldades para sua interpretação, tanto pelos contribuintes como para os agentes do fisco; basta uma rápida conferida na quantidade de consultas despachadas pela COPAT-SEF-SC, para se comprovar.

A prática da fiscalização nesse grupo de produtos, mostrou que a substituição tributária (ST) proporciona tantas interpretações e armadilhas que facilitam a sonegação do ICMS, inclusive propiciando a sonegação do ICMS próprio de produtos que nem ST teriam; além disso a dificuldade de se fiscalizar ST, não só pela complexidade das legislações, mas também pela logística, uma vez que a maioria dos fabricantes estão fora do Estado.

Como se já não houvessem problemas suficientes, recentemente alguns conceitos e diretrizes básicas que acompanham o sistema de substituição tributária, desde sua origem, foram simplesmente, sem qualquer aviso, e segundo minhas próprias investigações, sem que ninguém saiba o porquê em Santa Catarina, modificados de forma perigosa. Refiro-me aqui, e convido a todos a uma criteriosa leitura, aos artigos 16 e 16-A do novo Anexo 3 do RICMS-SC (que reproduz o conteúdo da clausula nona do Convênio ICMS 52/2017 (atualmente com efeitos suspensos pela ADI 5866)).

Atualmente, com a informatização dos processos, já temos tecnologia para fazer o controle da apuração do ICMS mensal por item de mercadoria, e assim poder controlar toda e qualquer saída promovida pelo varejo, e pelas regras normais do regulamento do ICMS. Então fica a pergunta: Para quem interessa essa bagunça que se tornou a legislação da substituição tributária atualmente?

Para uma eventual saída do sistema de recolhimento por substituição tributária e retorno ao modo normal, sugere-se que o processo seja escalonado dentro de um cronograma pré-definido, alcançando a cada mês um determinado “grupo” de produtos; promove-se assim, naturalmente, uma espécie de “parcelamento” dos valores relativos aos créditos eventualmente existentes nos estoques, diminuindo-se o impacto inicial que poderia ocorrer na arrecadação.

Concluindo, para se evitar cair em armadilhas, defendo a volta às origens, e na melhor das hipóteses, manter em substituição tributária, que na prática terá de ser transformada em uma “antecipação do imposto”, apenas aqueles grupos de produtos que possuem um reduzido número de fabricantes, e nesse fato, justificar o atendimento ao princípio da praticidade e eficiência, para poder garantir a LEGALIDADE na implantação do NOVO SISTEMA.

 

Léo Leoberto Guimarães Patricio

Auditor Fiscal da Receita de Santa Catarina

Data: 30/01/2018.