As empresas que gozam de benefícios fiscais de ICMS têm direito de excluí-los do lucro real. Porém, ao fazê-lo, precisam lidar com diversas incertezas, dentre elas: se podem deduzir benefícios que não exigem contrapartida; se precisam constituir reserva de incentivos fiscais; se tributam a receita de subvenção por PIS/Cofins; se deduzem qualquer tipo de benefício fiscal, ou apenas créditos presumidos de ICMS; e se, no caso de crédito presumido, o valor a ser excluído e destinado à reserva de incentivos fiscais é todo o crédito presumido ou apenas a diferença entre este e o crédito estornado.

Com tantas variáveis envolvidas, a definição da estratégia para proceder à exclusão em comento tem sido um jogo de xadrez. É preciso estar atento a todo o tempo aos movimentos do tabuleiro. Nas últimas semanas, algumas peças se mexeram no âmbito do STJ e da Receita Federal.

Começaremos pela recente decisão da 1ª Turma do STJ no REsp 1.968.755-PR, publicada em 08/04/22.

Até então, o que se tinha no STJ era a firme posição da 1ª Seção, refletida no EREsp 1.517.492/PR (2018), segundo a qual créditos presumidos de ICMS não podem ser incluídos no lucro real em proteção ao princípio federativo. Em termos simples: não faz sentido o Estado conceder um benefício e a União Federal anulá-lo parcialmente ao tributá-lo.

Nesse contexto, o julgamento do REsp 1.968.755-PR era aguardado com ansiedade, pois os benefícios fiscais em questão não eram créditos presumidos de ICMS, mas sim isenção e redução de base de cálculo. A depender de seu resultado, os contribuintes teriam mais clareza sobre as perspectivas de sua pretensão de aplicar o entendimento consolidado no EREsp 1.517.492/PR não só ao crédito presumido, mas também a outros benefícios fiscais de ICMS (como isenção e redução de base de cálculo).

Porém, o resultado do julgamento do REsp 1.968.755-PR deu novo capítulo ao tema. Para a 1ª Turma do STJ, o entendimento consolidado no EREsp 1.517.492/PR só se aplicaria ao crédito presumido de ICMS. Mas isso não quer dizer que os outros benefícios de ICMS não possam ser excluídos do lucro real. Quer apenas dizer que só a tributação do crédito presumido de ICMS violaria o pacto federativo. Na prática, aplicando a decisão da 1ª Turma do STJ: 1) a exclusão do crédito presumido de ICMS do lucro real independe da previsão de exclusão contida no artigo 30 da Lei 12.973/14 e, consequentemente, da constituição de reserva de incentivos fiscais; mas 2) a potencial exclusão de outros benefícios de ICMS tem fundamento no artigo 30 da Lei 12.973/14 e, consequentemente, depende da constituição de reserva de incentivos fiscais.

A diferenciação feita pela 1ª Turma do STJ entre o crédito presumido e os demais benefícios de ICMS parte da premissa de que só o crédito presumido gera “grandezas positivas”. Ele não evita o débito de ICMS; em vez disso, cria um crédito novo que se contrapõe ao débito existente para reduzir o valor final do ICMS devido. Esse crédito tem por contrapartida contábil uma receita, e é essa receita que não pode compor o lucro real, sob pena de ofensa ao pacto federativo. Diferentemente, uma isenção ou redução de base de cálculo seriam “grandezas negativas”, em que, para reduzir o valor do ICMS, evita-se o próprio débito do imposto na origem. Neste caso, não haveria receita alguma a ser contabilizada e excluída do lucro real.

É preciso dizer que essa distinção entre grandezas positivas e negativas não se sustenta. O CPC 07 – Subvenção e Assistência Governamentais, itens 38D e 38E, trata de situação em que o reconhecimento contábil de uma isenção tributária como subvenção para investimento seja efetuado registrando-se o imposto total no resultado como se devido fosse, em contrapartida à receita de subvenção equivalente, a serem demonstrados um deduzido do outro. Na Solução de Consulta Cosit 55/21, item 20, a própria Receita Federal (apesar de, respeitando sua limitação institucional, deixar claro que não opina de forma definitiva sobre contabilidade) expressa que a prática mais comum (tratando de isenção e redução de base de cálculo de ICMS) é o reconhecimento de uma despesa equivalente ao ICMS como se a subvenção não existisse, para que então se reconheça uma receita de subvenção. Portanto, os benefícios de ICMS (crédito presumido, redução de base de cálculo, isenção etc.) são indistintamente grandezas positivas, ou seja, todos transitam pela contabilidade e geram receitas passíveis de exclusão do lucro real.

Todavia, o fato é que a 1ª Turma do STJ não entendeu assim, e as empresas ainda precisam lidar com essa incerteza até que o tema seja levado à pacificação pela 1ª Seção.

O segundo evento recente merecedor de atenção é a Solução de Consulta Cosit 12/22, publicada em 01/04/22, que trata do registro contábil e fiscal dos créditos presumidos de ICMS.

Em 2020, a Receita Federal havia publicado a Solução de Consulta Cosit 15/20, na qual afirmara que, para fins de exclusão do lucro real, o crédito presumido de ICMS deveria ser registrado pelo seu valor total, sem considerar o valor de créditos estornados como condição do benefício fiscal. Todavia, aquela solução de consulta foi reformada pela Solução de Consulta Cosit 12/22. De acordo com o novo entendimento, no caso de crédito presumido, o benefício fiscal pode ser registrado apenas pela diferença entre o crédito presumido e o crédito estornado para sua obtenção.

Como efeito direto, expresso no item 41 da Solução de Consulta Cosit 12/22, o valor da reserva passou a ser consideravelmente menor.

Mas o novo entendimento também gera, por assim dizer, efeitos colaterais. De fato, na Solução de Consulta 12/22, a Cosit reconhece que o mesmo crédito presumido de ICMS pode ser registrado contabilmente de diferentes formas, as quais levariam a valores diferentes a serem registrados a título de receitas de subvenção. Porém, reconhece também que, independentemente do procedimento contábil, um mesmo crédito presumido só pode representar um mesmo benefício final, que é a diferença entre o valor que seria recolhido sem o benefício e aquele efetivamente recolhido com o benefício. Conclui assim, baseada na teleologia da norma, que o valor da subvenção é sempre o mesmo: a quantia que deixa de ser recolhida ao ente estatal. Essa correta e valiosíssima conclusão:

a) Reforça que a distinção feita pelo Poder Judiciário entre o crédito presumido como “grandeza positiva” e os demais como “grandezas negativas” não se sustenta. A mesma interpretação teleológica, que aproxima o tratamento fiscal entre créditos presumidos contabilizados de maneiras diferentes, aproxima também o tratamento fiscal dos demais benefícios de ICMS. Em todos os casos, há uma diferença entre o valor que seria recolhido sem o benefício e aquele efetivamente recolhido, não importando sua forma de contabilização. Ou seja, se alguma quantia deixa de ser recolhida ao ente estatal, então não existe benefício de ICMS com grandeza negativa; todo benefício de ICMS é uma grandeza positiva.

b) No pior cenário, em que PIS e Cofins sejam considerados devidos sobre créditos presumidos (STF, Tema 0843, RE 835.818), a base de cálculo é, no máximo, a diferença entre o crédito presumido e o crédito estornado para sua obtenção. Um possível efeito colateral da Solução de Consulta Cosit 15/20, muito temido pelos contribuintes, era considerar que, se a receita de subvenção era todo o crédito presumido, então a pretensa base de cálculo de PIS e Cofins também teria essa grandeza. Com a nova grandeza atribuída a essa subvenção, a Solução de Consulta Cosit 12/22 reduz essa apreensão.

Esses recentes acontecimentos não definem nada ainda, é verdade. O jogo é dinâmico e não está nem perto do fim. Mas o contribuinte precisa estar atento a cada movimento e jogar estrategicamente desde já, para que no futuro não seja surpreendido por um repentino “xeque-mate”.

 é sócio do Fialho Salles Advogados com experiência em consultoria tributária envolvendo tributos diretos e indiretos.

Via Conjur