O Supremo precisa julgar se o governo terá de devolver R$ 250 bilhões em impostos recolhidos

Além do rombo nas contas públicas que se estenderá pelos próximos anos, um esqueleto de mais de R$ 250 bilhões pode cair nas mãos do próximo presidente da República. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha decidido em março de 2017 que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado pelos governos estaduais não pode ser considerado na base de cálculo do PIS/Cofins cobrado pelo governo federal, a corte mais alta do País ainda não determinou se a União terá de devolver aos contribuintes o imposto recolhido a mais. O acórdão da decisão de março de 2017 foi publicado em outubro e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) imediatamente ingressou com recurso no STF, que ainda não foi julgado. O órgão pediu que o tribunal modulasse a decisão, ou seja, determinasse que seus efeitos só tivessem validade a partir de determinado momento.

A equipe econômica defende que o passivo máximo que poderia ser considerado é de R$ 100 bilhões, valor correspondente ao impacto de cinco anos antes da decisão do STF. As perdas, porém, chegariam a R$ 250,3 bilhões se o período considerado fosse de 2003 a 2014 e todos os contribuintes cobrassem na Justiça. No entanto, a PGFN luta para evitar a cobrança retroativa de qualquer valor.

A relatora do recurso é a ministra Cármen Lúcia, que deixará o comando do tribunal em setembro sem levar o tema ao plenário. Procurado, o gabinete da ministra não respondeu sobre a previsão de liberar os embargos para julgamento. Embora não seja incomum que recursos levem um ano ou mais para voltarem a ser apreciados pelo colegiado, especialistas no tema esperavam que Cármen Lúcia apresentasse seu voto durante seu tempo na presidência da corte. “Havia grande expectativa de que o recurso fosse votado no primeiro semestre. Em termos econômicos, esse é o maior caso pendente no Supremo. Dada a sua relevância, o tema deveria já ter sido analisado há mais tempo”, considera Bruno Teixeira, advogado do escritório Tozzini Freire.

Enquanto o recurso não é julgado, o governo não devolve os valores ao setor produtivo, que vem brigando na Justiça para começar a compensar esses créditos tributários com base na repercussão geral da decisão do ano passado. A jurisprudência do STF já define que embargos de declaração não dão efeito suspensivo e muitas empresas vêm conseguindo vitórias em tribunais de instâncias inferiores.

Insegurança
A sócia do escritório Mattos Filho, Glaucia Lauletta Frascino, avalia que a demora do Supremo traz imprevisibilidade para os contribuintes. “A matéria já foi apreciada e não vejo motivo para a modulação dos efeitos. Mas apenas após o trânsito em julgado do caso os recursos individuais poderão ser encerrados. Até lá, os contribuintes continuarão dependendo das decisões dos tribunais regionais em casos específicos”, afirma. “É lamentável essa insegurança. “A advogada explica que os R$ 250,3 bilhões que o governo alega que teria de devolver caso o STF não module a decisão não seriam uma “bomba fiscal” imediata. “Não há esse efeito catastrófico alegado pela PGFN, porque a devolução se daria gradualmente na forma de créditos tributários, que seriam abatidos ao longo do tempo pelas empresas”, explica.

Além do efeito retroativo, a Receita Federal calcula que a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins tenha impacto anual de R$ 45,8 bilhões na arrecadação, considerando valores de 2018. O Fisco ainda considera um impacto de R$ 6,54 bilhões com a retirada do Imposto sobre Serviços (ISS) municipal da base do tributo federal. “Os efeitos da decisão reduzirão a arrecadação do PIS/Cofins, cujo movimento está sendo monitorado, mas no momento não há informações que permitam avaliar com precisão o comportamento do contribuinte em relação a esta parcela do tributo”, afirma a Receita, em nota.

Para o gerente de Políticas Fiscal e Tributária da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mario Sergio Carraro Telles, a indefinição jurídica prejudica a concorrência entre empresas. “Grandes companhias têm conseguido decisões favoráveis à compensação de créditos, enquanto outras não conseguem o benefício. Isso causa um desequilíbrio importante na concorrência entre elas porque se tratam de valores significativos. Essa corrida ao Judiciário é extremamente ruim para o ambiente econômico”, alerta.

Para o diretor executivo da CBPI Produtividade Institucional, Emerson Casali, a resolução da questão implode o atual modelo de cobrança de impostos sobre impostos e obriga o governo a discutir uma reforma tributária. Ele lembra, no entanto, que o governo deve ajustar as alíquotas do PIS/Cofins para compensar a perda de arrecadação com a saída do ICMS e outros tributos da base de cálculo.”O ICMS hoje é em média 27% da base de cálculo do PIS/Cofins, enquanto o ISS tem participação pequena. Por isso, o setor de serviços não irá aceitar que uma reforma no PIS/Cofins venha com calibragem linear das alíquotas que acabe afetando todos da mesma maneira”, adianta.

 

Via Época Negócios