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A queda de braço entre o governo federal e os estados por causa da redução do ICMS dos combustíveis pode estar chegando ao fim. O que significa, também, que as regras para a cobrança do imposto vão mudar novamente, com possível prejuízo ao consumidor.

No início do mês, representantes dos estados e da União chegaram a um acordo para modificar pontos das leis complementares (LCs) 192 e 194, aprovadas neste ano como parte do esforço do governo de Jair Bolsonaro (PL) e do Congresso para conter a escalada de preços em meio à alta do dólar e do petróleo.

O acordo foi desenhado na Comissão de Conciliação e Mediação criada no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Gilmar Mendes, mas não entra em vigor imediatamente. Ele ainda depende da chancela formal das partes, de homologação do STF e, por fim, da aprovação de projetos no Congresso para modificar as leis citadas.

Na prática, o acordo devolve aos estados a autonomia para definir as alíquotas cobradas de combustíveis como etanol, diesel, biodiesel, GLP (gás de cozinha) e gás natural, desde que respeitando o chamado “teto do ICMS”.

A gasolina, porém, ficou de fora desse acordo e terá a tributação discutida por outra comissão, e apenas no ano que vem. Não se sabe, portanto, se esse combustível continuará subordinado ao teto do ICMS – dispositivo que, junto com a isenção temporária dos tributos federais (PIS, Cofins e Cide), foi fundamental para a forte queda dos preços e da inflação geral de julho em diante.

Os demais serviços declarados essenciais pela LC 194, como energia elétrica, comunicações e transporte coletivo, não terão alteração, segundo informou o Ministério da Economia à Gazeta do Povo. Isso significa que para eles o teto do ICMS continuará valendo.

“As propostas consensualizadas na audiência da última sexta-feira [2 de dezembro] representam um avanço na busca do reequilíbrio federativo”, disse o Comsefaz.

O que dizem as leis complementares 192 e 194, que serão modificadas

A LC 192, de março, disciplinou alguns pontos que já eram previstos na Constituição. Determinou que o ICMS dos combustíveis seja uniforme em todo o território nacional (ou seja, para cada combustível haverá tributação idêntica em todos os estados) e de regime monofásico (isto é, incidindo uma única vez na cadeia de fornecimento e sendo recolhido pelos produtores ou importadores). A lei também diz que as alíquotas devem ser específicas (“ad rem”), isto é, fixadas em reais por litro e não em um porcentual do preço.

A LC 194, de junho, criou o “teto do ICMS”. Ela determinou que combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo são “bens e serviços essenciais e indispensáveis, que não podem ser tratados como supérfluos”. Com isso, os estados ficaram proibidos de tributar esses itens acima das alíquotas padrão do ICMS, de 17% ou 18% na maioria dos casos. Até então, vários estados cobravam alíquotas próximas de 30% sobre a gasolina – em Minas Gerais e Rio de Janeiro, os porcentuais chegavam a 31% e 34%, respectivamente.

Essas e outras medidas causariam, às unidades da federação, uma perda de arrecadação estimada em R$ 124 bilhões por ano pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz).

As perdas de arrecadação levaram governadores a acionar a Justiça, o que por fim resultou na criação de uma comissão de conciliação no STF.

Em paralelo, algumas unidades da federação enviaram às assembleias legislativas propostas para aumentar a tributação de outros produtos ou então elevar as alíquotas gerais do ICMS.

Recentemente, o Comsefaz calculou que a alíquota média padrão do ICMS em todo o país teria de subir de 17,5% para 21,5% a fim de recompor a arrecadação dos estados e garantir o mesmo nível de recursos e investimentos anteriores aos cortes aprovados pelo Congresso Nacional.

O que vai mudar no ICMS dos combustíveis

O acordo entre estados e União estabelece que estados terão a competência de escolher se a alíquota uniforme e monofásica do ICMS dos combustíveis será fixada em reais por litro (“ad rem”) ou em porcentual (“ad valorem”). Ou seja, não serão mais obrigados a adotar a alíquota “ad rem” prevista na LC 192. A definição será feita por meio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os secretários estaduais da área.

Além disso, não haverá mais um prazo mínimo para o reajuste dessas alíquotas. Pela LC 192, as unidades da federação não poderiam alterá-las nos primeiros 12 meses de vigência, e depois teriam de obedecer um intervalo mínimo de seis meses para alterações. Os estados também foram dispensados de observar a evolução dos preços dos combustíveis “de modo que não haja ampliação do peso proporcional do tributo na formação do preço final ao consumidor”. Em outras palavras, o peso dos impostos poderá subir.

Por outro lado, o acordo impõe aos estados a obrigação de finalmente celebrar o convênio que definirá as tais alíquotas uniformes e monofásicas, que estão previstas desde a sanção da LC 192. Após algumas prorrogações, o ministro André Mendonça, do STF, determinou que elas sejam implementadas até o fim do ano, o que foi reforçado pelo acordo.

Para Gilberto Luiz do Amaral, presidente do conselho superior do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), a uniformização das alíquotas vai permitir que os consumidores saibam exatamente quanto estão pagando de imposto, “com uma previsibilidade que é também um passo anterior à reforma tributária que terá o ICMS como um dos alvos”.

Como já citado, essa uniformização não vai abranger de imediato a tributação da gasolina – “que deverá ser objeto de acordo posterior”, segundo comunicado do STF.

Assim, embora pelo acordo os estados se comprometam a reconhecer de imediato que diesel, GLP e gás natural são bens essenciais (e, portanto, sujeitos ao teto do ICMS, conforme a LC 194), a “essencialidade” da gasolina ainda será discutida.

Caso ao fim dos debates esse combustível não seja declarado essencial, parece natural que sua tributação seja elevada além dos limites atuais, que respeitam o teto. Com aumento no imposto, a consequência óbvia é um aumento do preço ao consumidor.

Outro ponto do acordo diz respeito à compensação que a União terá de pagar aos estados por perdas de arrecadação decorrentes do teto do ICMS. A LC 194 determinou o ressarcimento de eventuais perdas, em 2022, que superem 5% da arrecadação do tributo em 2021, mas os critérios de cálculo sempre foram motivo de controvérsia entre os governos locais e a União.

Na comissão de conciliação, as partes decidiram criar um grupo de trabalho específico para revisar, em até 120 dias, os critérios de apuração da perda de arrecadação. Já ficou definido, de todo modo, que a base de comparação será mensal (arrecadação em determinado mês de 2022 versus mesmo mês de 2021) em vez de anual (arrecadação no ano de 2022 versus 2021).

Amaral, do IBPT, considera indevido falar em perdas para os estados, considerando o histórico de elevada tributação. “Na verdade, eles deveriam devolver à população, pois se aproveitaram durante anos para arrecadar antes do STF determinar os produtos e serviços considerados essenciais, cobrando alíquotas que chegaram a 34%”, diz. “Sempre houve um excesso de tributação.”

No fim de 2021, o STF definiu que os estados não podiam cobrar, em energia elétrica e telecomunicações, alíquotas de ICMS superiores às alíquotas das operações gerais. Isso é, o próprio STF definiu um teto de tributação para esses dois serviços. A pedido dos estados, o STF definiu que tal teto valeria a partir de 2024, dando dois anos para a adaptação.

O que o governo Bolsonaro e o Congresso fizeram meses depois, com a LC 194, foi estabelecer um teto do ICMS não só para energia elétrica e telecom, mas também para combustíveis e transporte coletivo. E com vigência imediata, isto é, sem esperar até 2024.

O que falta para o acordo entre estados e União entrar em vigor

O acordo ainda precisa ser aprovado pelo governo federal – passando pelo próprio Ministério da Economia e também pelo Ministério de Minas e Energia, Casa Civil e Advocacia-Geral da União – e pelos governadores.

Vencidas essas etapas, o STF poderá finalmente homologar o acordo. Após a homologação, um projeto de lei será encaminhado ao Congresso para modificar as LCs 192 e 194. Tal encaminhamento só deve ocorrer na próxima legislatura, ou seja, de fevereiro de 2023 em diante.

“O que fará com que a definição das novas alíquotas já comece atrasada no próximo ano, e que pode ser prolongada caso algum estado precise levar a discussão novamente à Justiça”, diz Luciano Bernart, advogado tributarista e conselheiro do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf).

Acordo à parte, estados já elevam ICMS de outros produtos e serviços

Independentemente da conciliação no STF, alguns estados já promovem minirreformas tributárias para elevar a arrecadação. Alguns deles, como Pará e Paraná, já elevaram a alíquota padrão do ICMS, aquela que vale para a maioria das operações (e que serve de limite máximo para os bens e serviços sujeitos ao teto estabelecido pela LC 194).

Para Francisco Mendes de Barros, membro do conselho deliberativo do Instituto Justiça Fiscal (IJF) e mestre em administração pública e de governo pela FGV-SP, isso vai significar um aumento não apenas no preço dos combustíveis, mas nos custos de vida e de produção em geral.

“Não vejo nenhum sentido nisso, os estados estão querendo voltar a arrecadar o que não precisam. Se for nessa direção, daqui a pouco essa alíquota interna [geral] vai estar em 30%, sendo que o imposto que se deixou de arrecadar com os combustíveis acabou compensado em outros setores por conta da alta dos preços provocada pela inflação”, analisa.

Gilberto Amaral, do IBPT, diz que quem vai sair perdendo é o consumidor. “A consequência disso é que o consumidor vai pagar mais ICMS sobre determinados alimentos e produtos não apenas por causa dos combustíveis, que impactam a cadeia inteira. Com a elevação da alíquota básica nos estados, como já vem ocorrendo, todos vão pagar mais”, explica.

No Paraná, a alíquota geral do ICMS subiu de 18% para 19%. No Pará, de 17% para 19%. No Piauí, o governo do estado encaminhou um projeto pedindo tributação de 21,5%.

Por outro lado, no estado de São Paulo, o governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse que não pretende aumentar a alíquota de 17% sobre os produtos e serviços essenciais, alegando que o aumento da carga tributária pressiona a produção. “Quero desonerar a produção para gerar investimento, que gera emprego, trabalho e faz a arrecadação subir”, falou ao Poder360.

 

Via Gazeta do Povo