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O Brasil enfrenta diversas turbulências econômicas, causadas ou não pela crise sanitária que começou em março de 2020, mas boa parte de Santa Catarina parece um tanto blindada disso. Nesse grupo está o governo do Estado que fechou o primeiro ano da pandemia com saldo positivo de R$ 1,8 bilhão e, desde lá, fala mais em cifras bilionárias para investir. O planejamento de longo prazo que está sendo elaborado pela equipe do governador Carlos Moisés prevê, para os próximos 20 anos – de 2022 a 2041 – R$ 80 bilhões para investimentos estruturantes no Estado e municípios.

Com as chaves do cofre do Estado na mão, o secretário da Fazenda, Paulo Eli, é um dos principais líderes na elaboração de estratégias. Para este ano, segundo ele, serão investidos cerca de R$ 3 bilhões, incluindo verbas ao Plano 1000, de obras em municípios e boa parte dos R$ 465 milhões para rodovias federais. Ele acredita que, como resultado de investimentos privados e públicos o PIB de SC vai crescer mais do que o de 2021 e a geração de empregos seguirá alta. Na área social, o principal projeto é de construção de casas para famílias em vulnerabilidade morar até melhorar de vida.

O secretário explica que os R$ 80 bilhões para o plano de 20 anos virão de recursos próprios em função da geração de impostos pela economia e da responsabilidade fiscal da gestão do executivo estadual. Ele lamenta que a maioria que o procura com pleitos tributários é para reduzir receita e um dos desafios que enfrenta agora é ajustar taxas para que a competente indústria do leite de SC possa sobreviver à guerra fiscal, especialmente de estados vizinhos.

Nascido em Rancho Queimado, Serra da Grande Florianópolis, Paulo Eli é graduado em Ciências Contábeis e Administração de Empresas pela Universidade Federal de Santa Catarina e tem pós-graduação em Gestão Fazendária. É auditor fiscal de carreira do Estado, já foi secretário de Administração de SC e está à frente da Secretaria da Fazenda desde fevereiro de 2018, quando assumiu na gestão do governo de Eduardo Pinho Moreira.

Saiba mais na entrevista a seguir.

Quanto cresceu a arrecadação do Estado em 2021?

– Fechamos 2021 com crescimento nominal da arrecadação em torno de 22%. Ainda não temos todos os números finais porque estamos fazendo a contabilidade do Estado. Tivemos essa variação porque postergamos uma parte da arrecadação para 2022. Se não, o crescimento nominal teria sido em torno de 28%. Neste mês, temos que publicar todos os balanços. Em 2020, primeiro ano da pandemia, a arrecadação estadual cresceu 2%. Tecnicamente, dizemos que as pessoas ficaram em casa com dinheiro no ano anterior e saíram para gastar em 2021. Mas teve, também influência da inflação e a mudança de hábitos de consumo. Tivemos aumento nos preços dos combustíveis, da energia e o pagamento do auxílio emergencial. Isso tudo gera consumo, inflação e aumenta a arrecadação.

O que a Fazenda deixou para arrecadar em 2022?

– Deixamos para este ano a arrecadação de dois meses de energia elétrica e dois meses de combustíveis, o que deu R$ 1,5 bilhão. Fizemos isso porque, se não, teríamos dificuldades em cumprir os 25% da educação, uma das vinculações constitucionais. Não temos como gastar os recursos em dois ou três meses de uma receita extraordinária. Postergamos para aplicar bem os recursos este ano.

Vocês também consideraram o fato de que se fala muito que o Brasil terá crise este ano e aí a receita será menor?

– No Brasil, sim, em Santa Catarina não. Isso é prova dos nove. Vamos falar no final deste ano. Pode anotar.

Santa Catarina vai continuar crescendo mais do que a média?

– Vamos gerar, eu acho, mais de 200 mil empregos novamente (foram 205,8 mil novas vagas de janeiro a novembro de 2021). O comportamento da economia catarinense é muito dinâmico. As empresas estão investindo muito em seus negócios e também estamos atraindo muitas empresas novas. Muitos daqueles investimentos que começaram em 2019 agora estão com fábricas prontas. Um exemplo é a fábrica de biodiesel em Mafra (da JBS), que vai começar a operar. Também estão prontos os investimentos bilionários da WestRock e da Berneck. Muitas fábricas novas vão começar a operar. Então, a gente espera que a economia de SC cresça este ano mais do que em 2021.

Quanto SC cresceu ano passado, nas projeções de vocês?

Depende da metodologia. A secretaria de Desenvolvimento Econômico estimou que até em setembro o Produto Interno Bruto (PIB) do Estado cresceu 9%. A consultoria Tendências, de São Paulo, que faz projeções para todo o país, estimou que SC fechou o ano passado com crescimento de 6%. Para 2022, ela previu que a economia do Estado vai decrescer. Mas isso porque ela não anda pelo país acompanhando os investimentos. Santa Catarina é diferente do Brasil. Investimentos geram empregos e negócios. Além disso, o Auxílio Brasil, que o governo federal vai pagar este ano, vai aquecer o consumo no país e as indústrias de SC vão vender mais.

O Estado fechou 2020 com superávit de R$ 1,8 bilhão. O resultado foi positivo também em 2021?

Foi positivo, mas os números oficiais vão sair perto do final do mês. É o superávit orçamentário. Nossa contabilidade está calculando.

Quanto o governo do Estado investiu em 2021?

Não temos esse valor ainda. Precisamos fechar a contabilidade. Temos muitas obras em andamento, outras em licenciamento ambiental. Começamos a pagar aqueles R$ 465 milhões (para as rodovias de SC) só em dezembro.

As projeções de crescimento e emprego que o senhor faz consideram também os investimentos públicos?

Sim. Só de emendas parlamentares, o Estado transferiu aos municípios R$ 1 bilhão. Agora que está acontecendo a execução dessas emendas porque os municípios precisam fazer projetos e licitações. Além disso, estamos transferindo para prefeituras mais R$ 2 bilhões para obras. Isso tudo gera emprego e demanda por obras e serviços nos municípios.

Esses projetos vão continuar, apesar da eleição deste ano?

A lei impede a criação de despesas novas em período eleitoral, mas os projetos já iniciados podem continuar. Este ano é complexo porque temos a responsabilidade fiscal, o que é uma virtude e não um defeito. Muita gente costuma colocar a pecha de um governo com responsabilidade fiscal como defeito, mas temos muitos exemplos no país de estado ou município que entraram em falência por não cumprir a responsabilidade fiscal. Não podemos criar despesa continuada este ano para ser paga no próximo.

Quanto o governo deve investir em 2022?

– Este ano a gente pretende investir mais de R$ 3 bilhões. Esses recursos serão para obras federais, estaduais e municipais.

O Plano 1000 é uma grande aposta do mandato do governador Carlos Moisés. O que ele oferece?

– O Plano 1000 já está em funcionamento desde 2019. O que aconteceu? Quando os deputados fazem emendas parlamentares e pedidos de transferências especiais por convênios eles dão preferências para pequenos municípios. Daí descobrimos que o Estado transferiu ou firmou compromisso de transferência de R$ 3,5 bilhões a pequenos municípios. Fomos avaliar e concluímos que apenas 30% da população do Estado tinha sido contemplada. Então, o governador encomendou para os secretários dele um projeto que atenda todos os municípios do Estado. Ai, nós estudamos muito e a solução que nós levamos para o governador é de investir R$ 1 mil por habitante. 

Tem municípios, como Joinville, que terá direito a R$ 604 milhões que agora está fazendo os projetos para entrar no plano. Com Blumenau nós assinamos ontem (12-01) e já tem vários projetos. Jaraguá do Sul tem vários projetos prontos também. Com São José, assinamos agora, mas o município já tem obra em andamento no plano. Esse é um programa de investimento para os próximos cinco anos em projetos estruturantes. Qual é o problema? Poucos municípios têm projetos. Então, estamos estimulando, via assinatura do convênio, para que apresentem projetos. Como é um convênio de cinco anos, eles têm segurança de gastar R$ 3 milhões, R$ 4 milhões em um projeto estruturante, que o Estado vai bancar a obra. É a volta do planejamento do setor público.

Os projetos são para que áreas?

– Todas. Mas são principalmente para mobilidade, infraestrutura, turismo… Temos municípios que vão trabalhar em projetos de hospitais, outros em centros de educação, macrodrenagem. É uma gama ampla. Cada um escolhe três, quatro projetos, e a gente vai financiar para eles.

Em cinco anos, esse programa prevê investimentos de quanto?

– Serão investidos em cinco anos R$ 7,3 bilhões. São recursos próprios do Estado, sem endividamento. A receita vai conseguir bancar porque nós vamos conseguir manter a folha abaixo dos limites legais, do limite de alerta. Vamos conseguir fazer com que o Estado, que hoje já tem uma boa gestão, tenha muita economia de recursos de gestão, então todos esses recursos vão para investimentos.

Além dos recursos próprios, vocês vão buscar financiamentos?

– Vamos falar primeiro de recursos próprios. Manter as despesas do Estado em dia, o salário dos servidores em dia, com todos os servidores ganhando bem e a folha abaixo dos limites legais, inclusive dos limites de alerta (em relação à receita corrente líquida). Este ano, a gente vai fechar abaixo do limite de alerta, mas o nosso objetivo é fechar entre 38% e 42%, isso gera recursos próprios para o Estado, R$ 3 bilhões por ano. 

Aí nós temos possibilidades de pegar financiamentos de R$ 1 bilhão por ano. Mas só que nós temos um contrato da dívida pública que se encerra este ano, que é de R$ 600 milhões por ano. Isso significa que a partir de 2023 teremos R$ 600 milhões por ano para gastar durante 20 anos. Serão R$ 12 bilhões só com a economia de uma dívida pública. Então, a nossa geração de caixa para investimento em obras estaduais, municipais e federais a partir deste ano é em torno de R$ 3 bilhões a R$ 5 bilhões ano. Daí você joga isso em um planejamento de 20 anos, porque nós estamos trabalhando em um planejamento de 20 anos, aí você vê que a gente está trabalhando com bastante recurso.

Quanto mais o Estado poderá investir nos próximos cinco anos, além dos R$ 7,3 bi aos municípios?

Além dos municípios, o Estado terá R$ 13 bilhões nos próximos cinco anos para investir em obras estruturantes estaduais. Daí dá para somar os R$ 7,3 bilhões com R$ 13 bilhões e serão mais de R$ 20 bilhões para os próximos cinco anos, R$ 4 bilhões por ano que o Estado terá para gastar em obras estruturantes estaduais e municipais. Isso tudo porque nós fizemos a lição de casa, e nós fizemos toda uma revisão de contratos, de estruturas e de melhoria de gestão.

E com essa soma, quanto o Estado poderá investir nos próximos 20 anos?

– O nosso projeto até 2041 dá em torno de R$ 80 bilhões para investimentos do Estado.

O governo tem algumas dívidas grandes não pagas, como a da duplicação SC-401, das Letras. Tem previsão para quitá-las?

– Isso são riscos fiscais que o Estado está esperando decisões judiciais. Das Letras, a gente já está pagando por meio de precatórios. Tem um processo judicial referente à SC-401 que a gente está esperando um desfecho. E sobre a Invesc (outra dívida), a gente está esperando um desfecho também.

No ano passado, o Estado concedeu um auxílio emergencial para famílias em vulnerabilidade. Vocês estudam um auxílio emergencial de longo prazo?

Nós estamos fazendo de uma outra forma. A gente está com o programa SC Mais Moradia agora. É voltado a pequenos municípios com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Não temos como complementar, por exemplo, o Auxílio Brasil do Bolsonaro, porque ele já está pagando isso. Agora, tem pessoas que não estão neste grupo, mas que nós vamos atender de outra forma. Vamos investir R$ 70 milhões este ano só em habitação. As pessoas vão morar nas casas cedidas pelo Estado enquanto não tiverem sua própria casa.

A que o senhor atribui essa maior capacidade de investimento do Estado?

– Responsabilidade fiscal. Destaco que responsabilidade fiscal é virtude, não é defeito. Então, tudo o que eu leio nos jornais, para mim dói quando a responsabilidade fiscal é considerada como um defeito. Porque aqui na minha porta ninguém entra para aumentar a receita e diminuir a despesa. A mesma pessoa entra aqui para aumentar a despesa e diminuir a receita porque não entendem como funciona o setor público. O setor público arrecada tributos para prestar serviços. Se eu não arrecado tributos, eu não tenho serviços e nós já temos uma renúncia fiscal escandalosa de R$ 14 bilhões por ano, que tem ainda um espaço bom para redução.

No final do ano passado, o governo do Estado decidiu conceder reajuste salarial a diversas categorias. O setor empresarial manifestou preocupação sobre a criação dessas despesas. Quanto vai ser o acréscimo e o Estado terá condições de suportar esses reajustes no longo prazo?

Sim. O Estado trabalhou com bastante responsabilidade nesse período. No ano passado, implementamos a remuneração mínima do magistério, que custou R$ 700 milhões. Isso nos ajudou a cumprir os 25% da educação porque temos que tirar os inativos. Somos obrigados a fazer reposição salarial para a educação porque a despesa dessa pasta está vinculada constitucionalmente.

Temos também uma vinculação constitucional na Saúde. Quando assumi a pasta da Fazenda, em 2018, a folha do Estado de 2017 ficou em 49,73% da receita corrente líquida. Em 2021, terminou em 43%, mesmo com o reajuste dos professores. Então, os aumentos salariais aprovados no ano passado e que vão vigorar a partir deste ano, vão fazer com que o Estado termine o ano ainda abaixo do limite de alerta, que é 44,10%.

A expectativa de vocês é de que o Estado vai ter um desempenho econômico estável para suportar isso no longo prazo?

O Estado vai ter, principalmente pelos investimentos que estão sendo feitos, tanto públicos quanto privados.

Outra polêmica é nova alíquota de ICMS de 17% para o leite aprovada pela Alesc no fim de 2021. Vai ter aumento ao consumidor em abril?

Vou explicar o contexto. O leite de saquinho é isento de ICMS. O longa vida, de caixinha, tem alíquota de 12%. Como ele está na cesta básica, temos uma redução da base de cálculo para 7%. O que acontece: há uma guerra de grandes varejistas oferecendo leite a R$ 2,70 ao litro. Sabe quanto custa a produção de um litro de leite? R$ 5,00. Então, essa guerra de preços entre os supermercados está destruindo toda a indústria leiteira catarinense e os produtores estão desistindo da atividade porque o custo ao produtor é de R$ 2, aí tem o transporte até a fábrica, o custo de processamento, embalagem e chega ao supermercado por R$ 5. 

O que as grandes redes de varejo fazem? Anunciam preço de leite abaixo do custo para atrair o consumidor. Normalmente, são marcas de fora do Estado. Essas redes Elas ocuparam todos os espaços da BR-101, além de terem destruído os pequenos varejistas, estão destruindo a indústria catarinense porque fazem guerra de preços e afeta o produtor. A indústria leiteira pediu para a Alesc elevar a alíquota para 17%, para que o leite que vem de fora do Estado com 12%, paga mais cinco pontos percentuais e o leite interno, a indústria vende a 12% e o mercado tributa em mais cinco. A Assembleia deu um crédito presumido para a nossa indústria. Foi feita uma proteção tarifária para o produtor de leite. Mas isso não acontece só com o leite. O mesmo ocorre com as carnes suína e de frango. 

O consumidor paga R$ 7 por uma garrafa de Coca-Cola, mas vai ao mercado e paga R$ 2,70 por um litro de leite que requer vaca bem tratada e uma família que trabalha sete dias da semana. O produtor recebe R$ 1 pelo litro de leite hoje. Temos que arrumar economicamente esse processo de guerra comercial entre os mercados. A indústria está querendo o que a Assembleia fez e o varejo não está querendo porque eles vão perder esse instrumento de guerra de preços que eu chamo de canibalismo.

Entre os projetos aprovados na Assembleia Legislativa no fim do ano, causou polêmica a inclusão de duas categorias como auditores. Pode explicar isso?

Temos na categoria da Fazenda cinco categorias funcionais: auditores fiscais estaduais, analistas da receita estadual, auditores internos que estão na Controladoria Geral do Estado (CGE) mas seguem como funcionários da Fazenda, mais os analistas do Tesouro e contadores estaduais. Aí decidimos juntar essas duas últimas carreiras em uma nova, com as mesmas atribuições, mas com o nome de auditor de finanças, que é a mesma metodologia usada pelo governo federal.

 A Fazenda é dividida em duas áreas distintas. Os que cuidam da receita (auditores e analistas) e os que cuidam da despesa (analistas do tesouro e contadores), que agora são auditores de finanças. As atribuições continuam as mesmas e os salários também. Os analisas do tesouro tiveram incorporação da despesa de combustível. O valor é pago somente a quem usa veículo para trabalhar

Um setor que cobra equiparação tributária com estados vizinhos é o de restaurantes e bares. Qual é a posição da Fazenda?

Do total de restaurantes no Estado, cerca de 99% são do Simples, que já têm equiparação. O que as grandes redes de restaurantes nacionais e multinacionais querem é que o Estado aumente a renúncia, e o Estado não vai aumentar a renúncia fiscal. Quem está reclamando é gente rica, que pode pagar mais impostos.

Via NSCTotal – Coluna Estela Benetti