Constitucionalidade da multa é questionada no STF. Para especialistas, ela fere o direito constitucional de petição

Desde 2013, os contribuintes aguardam o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.905 no Supremo Tribunal Federal (STF), que questiona a aplicação de multa isolada de 50% aplicada sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação não homologada.

A ação foi ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e já chegou a ter seu julgamento iniciado em plenário virtual em 2020, mas a análise foi interrompida por pedido de destaque. Agora o processo precisa ser julgado de forma presencial.

O tema é discutido em conjunto tanto na ADI quanto no Recurso Extraordinário (RE) 796.939, no qual a Fazenda Nacional recorre de uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. O TJRS determinou que a Receita não deveria cobrar a multa de 50% de uma transportadora que havia tido seus pedidos de ressarcimento e compensação de débitos tributários negados. Em abril de 2020, quando os processos começaram a ser julgados no plenário virtual, foram cinco votos favoráveis aos contribuintes no RE e dois favoráveis aos contribuintes na ADI, até que o ministro Luiz Fux, atual presidente da Corte, pediu destaque.

A multa de 50% foi incluída na Lei 9.430/1996, e a legislação tributária federal, em 2010, pela Lei 12.249. Inicialmente, a sanção foi prevista tanto para os pedidos de ressarcimento indeferidos quanto para os pedidos de compensação. Mas em 2015, houve uma alteração legislativa que revogou a multa para os pedidos de ressarcimento e mudou a base de cálculo da cobrança para os casos de compensação: originalmente, a multa era sobre o valor do crédito objeto de declaração de compensação. Com a mudança, passou a ser calculada sobre o valor do débito objeto de declaração de compensação.

Fábio Calcinisócio do Brasil Salomão e Matthes advocacia e membro da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB, explica que, inicialmente, a multa incidia sobre o valor total que o contribuinte pediu. “Isso mudou, agora ela é de 50% sobre o valor negado, e houve uma revogação no pedido de ressarcimento. Por uma questão de segurança jurídica, o Supremo provavelmente vai tratar sobre o ressarcimento também porque o recurso extraordinário traz isso”, ressalta.

As mudanças legislativas foram comunicadas pela CNI ao Supremo em aditamento. Mas, na realidade, a retirada da multa sobre o pedido de ressarcimento até reforça os argumentos pela inconstitucionalidade, já que se ela não é devida neste caso, também não deveria ser aplicada para os pedidos de compensação.

Cassio Borges, diretor jurídico da CNI, afirma que a multa de 50% viola o direito de petição, pois inibe que o contribuinte peça a compensação. “E paralelamente outros direitos fundamentais, como o contraditório e a ampla defesa de forma um pouco mais indireta, também são afetados. Isso acaba caracterizando um eventual efeito confiscatório do tributo, porque o contribuinte peticiona acreditando no seu direito, mas receoso de ter uma negativa e ainda ter uma aplicação de uma penalidade”, afirma.

“É muito grave, fica claro que o propósito é inibir a atuação do contribuinte ou a busca do direito administrativo do contribuinte. A CNI busca a declaração de inconstitucionalidade dessa multa porque, ao fim e ao cabo, isso vai trazer estabilidade, segurança jurídica e um bom ambiente institucional para que os empresários possam investir com mais segurança e, diante de uma inadequação do fisco, se sintam à vontade para pleitear seus direitos”, diz ele, que reafirma o caráter confiscatório da multa, já que ela tem um patamar elevado.

Da mesma maneira, Fernando Melo, representante jurídico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que atua como amicus curiae na ação, defende que a multa é inconstitucional porque o contribuinte tem o direito de peticionar ao poder público. “Você não pode ser sancionado apenas por pedir esse direito. Essa multa dos 50% não é para quando se age de má-fé, é pura e simplesmente por pedir restituição e compensação de um valor. Não há nenhum ilícito”, afirma. Em sua visão, a previsão ainda fere o direito à ampla defesa e ao contraditório.

“Você pede 100 reais de compensação à Fazenda, aí você não tem aquele valor de 100 devolvido e ainda vem uma sanção, sem que haja nenhuma má-fé ou ilícito de sua parte. Em uma legislação tributária complexa, o contribuinte coloca um valor maior do que efetivamente deveria colocar, e isso é suficiente para ser punido com essa multa exagerada dos 50%”, questiona.

Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon, também concorda que a multa penaliza o contribuinte sem que haja nenhuma ilicitude. “Ele está buscando compensar legitimamente débitos com créditos. Ocorre que, em uma análise muitas vezes perfunctória, a Receita indefere alguns pedidos de compensação. Ele é penalizado simplesmente por falar com a Receita”, destaca.

O advogado diz que, enquanto a decisão do STF não vem, é comum que contribuintes entrem com processos administrativos e judiciais para tentar reverter a multa – o que, em sua visão, cria um problema muito maior de excesso de processos e de insegurança jurídica. “No Judiciário, há decisões para os dois lados. O Carf também tem decisões de todos os tipos, mas muda muito de câmara para câmara. Tem alguns conselheiros que partem do princípio de que o Carf não pode fazer juízo de constitucionalidade, apenas aplicam a lei”, explica. “Mas a multa continua existindo e isso gera um aumento absurdo da litigância fiscal, porque os contribuintes têm que entrar com processos. Há processo administrativo da compensação e depois o processo administrativo da multa.”

Para Calcini, a multa pune o contribuinte apenas por buscar o seu direito: “A lei prevê que ele pode usar créditos tributários para compensar outros tributos, mas na hora em que ele utiliza, há uma espada sobre a cabeça dele dizendo ‘se eu não aceitar sua documentação, eu vou te impor uma multa de 50%’. A multa não pode ser imposta pelo mero exercício regular de direito de um contribuinte de boa fé”.

O caso chegou a ser pautado em junho pelo Supremo, no plenário físico, mas não foi julgado por falta de tempo. Uma nova data depende do presidente da Corte, o ministro Luiz Fux. A partir de 12 de setembro, a ministra Rosa Weber assume a presidência do tribunal. A expectativa da CNI, autora da ação, é que o tribunal decida a favor dos contribuintes, considerando que já havia diversos votos neste sentido.

 

Via JOTA