Riscos fiscais se avolumam e juros podem ficar altos por mais tempo, piorando trajetória das contas do governo

Do início do ano até agora, as expectativas do mercado financeiro para o déficit nominal (resultado de receitas menos despesas, incluindo os juros) brasileiro deram um salto de 1 ponto porcentual do PIB. A estimativa central desses analistas na coleta feita pelo Banco Central (Focus) está atualmente em 7,7% do PIB para o primeiro ano do próximo governo.

O déficit nominal é uma das variáveis mais relevantes para a trajetória da dívida pública. Nos últimos 12 meses encerrados em maio, dado mais recente colocado à disposição pelo BC, esse indicador ficou em 4,2% do PIB. Ou seja, a se confirmar o cenário de mercado, a alta nesse indicador seria de 2,5 pontos do PIB daqui até o fechamento do próximo ano, o que significa mais de R$ 250 bilhões em aumento de dívida pública.

É necessário reconhecer e lembrar que os erros de projeção do mercado em relação às variáveis fiscais têm sido grandes nos últimos anos, com um viés de maior pessimismo do que a realidade tem apresentado. Porém, o próprio governo também enxerga um cenário de deterioração fiscal até 2023, em suas projeções oficiais. No mais recente relatório do Tesouro sobre cenários fiscais, a estimativa divulgada em junho apontava para 6,9% do PIB de saldo negativo no resultado de receitas e despesas totais. Ao JOTA, o Tesouro informou que as projeções mais atualizadas já estavam com 7,9% do PIB de déficit para 2023.

Para além da deterioração que esses dados mostram (e que já remonta aos números fiscais de 2015 e 2016), há um problema maior: a enorme incerteza sobre a política fiscal que virá em 2023 e nos anos seguintes. O resultado primário (que mostra receitas e despesas, sem considerar a conta de juros) tem surpreendido positivamente desde o ano passado e há chances grandes de esse indicador fechar o ano positivo pelo segundo ano consecutivo.

Porém, para 2023, o governo de largada já deve projetar um saldo primário negativo da ordem de R$ 65 bilhões no orçamento que será enviado ao Congresso na semana que vem. E esse número não considera prováveis medidas como a continuidade do Auxílio Brasil de R$ 600 – que, se não tiver fonte no lado da receita, pode aumentar o déficit na mesma proporção – e a correção da tabela do Imposto de Renda. Além disso, com o acúmulo de riscos fiscais, os juros podem ficar altos por mais tempo, piorando a trajetória das contas do governo.

Em artigo para o blog do FGV Ibre, o economista-chefe da AZ Quest e ex-secretário do Ministério da Economia, Alexandre Manoel, destaca que as propostas fiscais dos dois principais presidenciáveis têm em comum 1,01% do PIB em despesas primárias adicionais em 2023. “Mas há divergências no curto e no médio prazo, com possibilidade de forte aumento do gasto adicional”, lembra Manoel, que tem demonstrado preocupação com a dificuldade de se financiar aumentos de gastos por meio de elevação da carga tributária, por conta da resistência que o Congresso tem apresentado desde 2015.

Além do que já é quase certo em termos de piora fiscal seja qual for o governo, há uma série de outras fontes de incerteza fiscais. O gasto com pessoal, por exemplo, deve aumentar, mas não se sabe em quanto (o orçamento pode vir com uma proposta de ao menos R$ 10 bilhões, mas a pressão por aumentos é bem superior a isso).

Há a questão federativa, que está mal endereçada e pode levar os estados, que já estão conseguindo na Justiça deixar de pagar suas dívidas, a demandar apoio extra do governo central. O tema dos precatórios também pode acabar, especialmente se o PT vencer ou se o STF invalidar a PEC que permitiu “pedalar” esses gastos, impondo um aumento de gastos forte. Sem falar, caso o ex-presidente Lula vença as eleições, na intenção deliberada de elevar de pronto alguns gastos com saúde, educação, investimentos e, possivelmente, com previdência, por meio do salário mínimo.

No lado das receitas, além da possibilidade de atualização da tabela do IR e da continuidade das renúncias com combustíveis, não se sabe como será o desempenho das receitas derivadas da alta de commodities, que já começaram a cair no mercado internacional e vinham ajudando bastante as contas públicas brasileiras. E o próprio desempenho do PIB brasileiro é uma grande incógnita e afeta todas as receitas.

Parte dos economistas do governo atual acredita que a arrecadação mudou de patamar e mesmo que o PIB não seja grande coisa (o cenário na Economia é mais otimista), a arrecadação seguirá em patamar alto. Há uma leitura de que, mantida a atual liderança do país, o cenário fiscal é bem menos dramático do que os analistas estariam pintando.

Mas ainda que estejam certos nessa visão, o que é perfeitamente possível dado os dois últimos anos, não dá para se desconsiderar os riscos fiscais mapeados acima, especialmente em um ambiente econômico com juros altos no mundo e aqui no Brasil.

A questão é que a materialização apenas parcial desses riscos pode tornar o resultado nominal ainda pior do que os quase 8% do PIB já previstos. Nesse caso, a aproximação de um saldo nominal negativo de 10% do PIB, vistos em 2016 e durante a pandemia, não pode ser descartada, empurrando a dívida para um crescimento mais forte. E, nesse quadro, o risco de uma deterioração do humor dos investidores, com impactos inflacionários e de alta no desemprego, entre outros, é relevante.

Consultor de orçamento do Congresso, Ricardo Volpe alerta para o risco de déficits nominais já na casa de 7% do PIB e aponta a necessidade de um plano fiscal de médio e longo prazo, que sinalize uma melhora na trajetória fiscal. Segundo ele, a política para as contas públicas tem sido marcada por decisões de curto prazo, sem um planejamento estratégico para o longo prazo. “É preciso uma discussão correta. A sociedade vai precisar de mais um tempo de déficit, mas vamos escolher, fazer um plano para otimizar o uso do dinheiro público”, afirmou.

Uma fonte ligada à campanha do PT afirmou à coluna que é possível trabalhar uma autorização para ampliação de gastos de curto e médio prazo, corrigindo as bombas fiscais que estariam armadas pelo atual governo, sem gerar tumulto. Foi o que ocorreu em 2016, na gestão Temer/Meirelles, quando foram autorizados 3,5% em despesas novas. Mas esse interlocutor admite que será preciso uma contrapartida de longo prazo em termos de regras fiscais, função que naquela vez foi cumprida pelo teto de gastos e que ainda não está claro qual será para os próximos anos.

Faltando 40 dias para as eleições, seria bom que os candidatos tivessem clareza e fossem mais francos e abertos em discutir o que fazer na gestão fiscal a partir de 2023. Os riscos estão se acumulando e não é prudente desprezá-los.

 

Via Jota