Valor dos encargos financeiros pagos pelo setor público no acumulado de 12 meses é o maior desde 2001, segundo dados do Banco Central. Aumento dos gastos do governo e elevação da taxa Selic explicam a disparada

A escalada da taxa básica de juros (Selic) e o aumento do endividamento do governo para cobrir uma série de despesas criadas sem receita equivalente estão levando o setor público a pagar juros em valor recorde. Conforme dados do Banco Central (BC), após quase dobrar em setembro, para R$ 71,5 bilhões, a conta de juros chegou ao pico de R$ 591,9 bilhões num período de 12 meses — o maior patamar registrado desde o início da série histórica do BC, em dezembro de 2001.

Ao divulgar, ontem, os dados das contas fiscais consolidadas do setor público, Fernando Rocha, chefe do Departamento de Estatísticas do BC, lembrou que, como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), o percentual da conta de juros ficou no mesmo patamar de julho, de 6,36%. Contudo, no acumulado de janeiro a setembro, a conta cresceu R$ 143,7 bilhões, somando R$ 435,6 bilhões.

Rocha observou que, por um lado, o aumento reflete a ampliação da dívida pública bruta, que bateu novo recorde em termos nominais, chegando a R$ 7,3 trilhões. Por outro, o gasto financeiro vem sendo impulsionado pela alta da taxa Selic, promovida pelo BC para segurar a inflação. “Os juros médios passaram de 2,52% ao ano, nos primeiros nove meses de 2021, para 8,91%, em 2022”, explicou Rocha.

O ciclo de aperto monetário do BC, iniciado em março de 2021, quando os juros básicos estavam no piso histórico de 2% anuais, foi interrompido em setembro deste ano. Na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a Selic em 13,75% ao ano. Conforme dados do BC, para cada ponto percentual a mais na Selic, a dívida pública bruta cresce R$ 36,5 bilhões, em termos anualizados.

O Banco Central argumenta, ainda, que, mesmo com os juros em alta, o setor público como um todo registrou superavit de R$ 10,7 bilhões em setembro. Além disso, a dívida bruta do setor público recuou de 77,5% para 77,1% do PIB entre agosto e setembro, o menor patamar desde março de 2020.

O economista Ecio Costa, professor da Faculdade Federal de Pernambuco (UFP), porém, observa que o patamar de juros ainda é muito elevado, o que é um risco adicional para o governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vai assumir com várias “bombas fiscais” armadas pelos gastos da administração Bolsonaro nos últimos meses.

“Se houver novos deficits fiscais, a inflação volta a subir, com a economia desaquecida”, alertou Costa, em referência às expectativas do mercado de desaceleração da atividade no ano que vem.

A especialista em contas públicas Juliana Damasceno, da Tendências Consultoria, lembrou que a redução da relação dívida-PIB não pode ser comemorada, já que tem como principal causa o processo inflacionário. A inflação, assinalou, ajudou a aumentar a receita e o PIB nominal, que é o denominador da relação dívida-PIB.

Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que os choques inflacionários entre 2022 e 2020 reduziram em 10 pontos percentuais a dívida pública brasileira. Sem esse empurrãozinho inflacionário, em vez de 77,1% do PIB, o endividamento bruto do país seria de 87,1% do PIB, atualmente.