Em documento endereçado à equipe de transição de governo, o Ministério da Fazenda mostra que não é possível passar de um déficit primário em torno de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), previsto para este ano, para um superávit que estabilize a dívida pública em patamar não muito elevado, apenas com o corte de despesas.

 

Além da redução dos gastos, o cardápio entregue pela Fazenda sugere a adoção de medidas que elevam a receita da União, ou seja, o aumento da carga tributária, o que vai na direção contrária ao que foi defendido pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, durante a campanha eleitoral.

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O aumento da carga deverá ocorrer também pela redução dos benefícios tributários, que é o terceiro ingrediente do receituário sugerido pela Fazenda. A proposta é uma redução linear de 10% do atual gasto tributário, com efeitos considerados a partir de 2020. Para garantir a sustentabilidade fiscal, adverte a Fazenda, repetindo o que diz a quase unanimidade dos analistas de mercado, é necessário um esforço fiscal equivalente a quatro pontos percentuais do PIB nos próximos anos – algo em torno de R$ 280 bilhões. A maior parte do esforço poderá ser feita com o controle da despesa, principalmente mudando a trajetória dos gastos obrigatórios. Mas a conta não fechará sem o aumento da receita da União.

 

O documento do Ministério da Fazenda, intitulado “Panorama Fiscal Brasileiro”, traça três cenários para a trajetória futura das contas públicas nos próximos anos: sem reformas, com reformas fiscais e com reformas fiscais e microeconômicas. Os indicadores macroeconômicos, comoo crescimento da economia, a taxa de juros e a taxa de câmbio, dependerão de qual cenário irá se realizar.

 

Sem reformas fiscais, a avaliação da atual equipe econômica é de que o crescimento será muito baixo, de apenas 0,7% em 2019, com uma pequena contração de 0,5% em 2020, de 0,6% em 2021 e de 0,4% em 2022. Se as reformas forem realizadas e o governo adotar medidas microeconômicas que elevem a produtividade da economia, o crescimento poderá chegar a 2,6% no próximo ano, 2,9% em 2020, 3,4% em 2021 e 3,5% em 2022.

 

Mesmo no cenário mais otimista, de realização de reformas fiscais e adoção de medidas microeconômicas, o governo seria obrigado a adotar medidas para elevar a receita da União, adverte o documento. O aumento de 11% para 14% da alíquota de contribuição do servidor público civil para o Regime Próprio do Servidor Público (RPPS) seria uma delas.

 

Outras seriam o fim da isenção do Imposto de Renda sobre as aplicações em LCI/LCA, aumento do IR de aplicações financeiras em cinco pontos percentuais, alteração da forma e periodicidade da cobrança de Imposto de Renda sobre os fundos fechados de investimento, redução de 2% para 0,1% do percentual da receita auferida com exportação de bens que poderá ser reintegrado a título de resíduo tributário federal existente na sua cadeia de produção.

 

A revogação do Regime Especial da Indústria Química, que institui benefício de crédito presumido de PIS/Cofins e PIS/Cofins-Importação relativos a produtos destinados a indústria petroquímica, também está no cardápio, assim como a redução, de 20% para 4%, do IPI sobre concentrado de xarope produzido na Zona Franca de Manaus, reduzindo a base de cálculo de crédito tributário.

 

Do lado das despesas, o cenário mais otimista da Fazenda prevê a aprovação da reforma da Previdência Social em sua versão aprovada na comissão especial da Câmara dos Deputados, que aumenta as idades mínimas para 62 anos para mulheres e 65 para homens, além de elevar o tempo mínimo de contribuição de 15 para 25 anos. Há outras regras específicas visando determinadas carreiras e regras de transição.

 

A alteração do método de correção do salário mínimo, com correção apenas pelo indicador de inflação (INPC), é outra medida destinada a reduzir os gastos. Ou seja, o mínimo não teria mais aumento real. O cenário prevê também que apenas o trabalhador que recebe até um salário mínimo teria direito ao abono salarial. Não haveria reajuste salarial para os servidores públicos e os concursos seriam feitos apenas para reposição de vagas.

 

Com as reformas fiscais e microeconômicas, mais a aprovação pelo Congresso Nacional das medidas de elevação das receitas e redução dos gastos, a projeção da Fazenda é que seria possível obter um pequeno superávit primário em 2022, de apenas 0,8% do PIB. Sem reformas, o déficit primário aumentaria, chegando a 3,5% do PIB no último ano do governo Bolsonaro.

 

O documento da Fazenda elenca ainda 16 alternativas para a elevação da receita da União, com a estimativa de arrecadação de cada uma delas. Entre elas, está a criação de uma alíquota de 35% do Imposto de Renda para quem ganha acima de R$ 300 mil por ano e a tributação de lucros e dividendos. As medidas estão sujeitas à avaliação do governo Bolsonaro quanto à sua possível adoção, diz o documento.

 

Via Valor Econômico