Liminares do STF permitiram que alguns Estados paguem menos dívidas ao Tesouro Nacional para compensar as perdas de receitas do ICMS sobre combustíveis, energia, comunicações e transportes

O Ministério da Economia estima que três Estados beneficiados com liminares do Supremo Tribunal Federal (STF) a pagarem menos dívidas ao Tesouro Nacional para compensar perdas de receitas do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) provocadas pela redução de alíquotas sobre combustíveis, energia, comunicações e transportes estão abatendo mais do que deveriam e “fazendo caixa”. Responsável pelo que seria o maior descasamento, São Paulo refutou os cálculos.

O Estado deve ter perdas de R$ 7,7 bilhões na segunda metade deste ano, mas suspenderá pagamentos de R$ 10,1 bilhões, nas contas da equipe chefiada por Paulo Guedes. O Maranhão deixaria de pagar R$ 690 milhões em dívidas para uma perda estimada de R$ 397 milhões. O Acre suspenderia quitações de R$ 153 milhões para uma frustração de R$ 112 milhões na arrecadação.

Minas Gerais, Alagoas, Piauí e Rio Grande do Norte descontariam das parcelas da dívida valores menores do que as perdas estimadas na arrecadação, segundo as estimativas do ministério. Bahia, por sua vez, pediu liminar ao STF, mas ainda aguarda decisão do ministro Nunes Marques.

Minas Gerais já não estava pagando as dívidas ao Tesouro, com base em outra liminar do STF.

“Disparate”, reagiu o secretário de Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, ao ser questionado pelo Valor. Ele estima que as perdas de São Paulo serão de R$ 5,1 bilhões este ano. A compensação será no mesmo montante.

“O Ministério da Economia vai querer tungar os Estados e desrespeitar decisão do STF?”, questionou. “Inacreditável. De todo modo, vale o que o Supremo decidiu. Estamos seguindo à risca”.

Em agosto, São Paulo deixou de pagar R$ 854,5 milhões em dívidas ao Tesouro, para compensar a perda observada de receitas do ICMS. Os cálculos foram enviados ao STF, informou o secretário.

O Valor questionou também as secretarias de Fazenda do Acre e do Maranhão, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

Nos escalões técnicos do Ministério da Economia, ainda não há clareza sobre o que acontecerá caso fique comprovado que houve compensação maior do que o devido. Uma possibilidade é incluir a diferença nas parcelas futuras da dívida.

O Valor mostra em sua edição de hoje que o Ministério da Economia editou uma portaria disciplinando a forma como será calculada eventual perda de arrecadação do ICMS e como será feita sua compensação. Há vários pontos de discordância entre União e Estados. A questão está sendo discutida em comissão especial do STF que busca conciliação.

Para o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Daniel Couri, é impossível estabelecer o valor exato da perda de arrecadação. Para calculá-la, seria necessário saber o que aconteceria com as receitas caso as alíquotas do ICMS não tivessem sido reduzidas. É uma resposta à qual só se chega com base em hipóteses.

“O cálculo sempre carrega algumas arbitrariedades”, comentou. União e Estados farão os cálculos com as premissas que lhes sejam mais favoráveis.

Nesse quadro, disse, há risco de a União estar financiando um ou mais de um Estado, pois a baixa de ativos pode estar sendo do que a perda tributária. “O Estado pode estar se financiando, o que certamente não é correto.”

O Ministério da Economia sustenta que os Estados estão em boa condição financeira e, por isso, podem arcar com o ônus de reduzir as alíquotas do ICMS sobre itens essenciais. Nos 12 meses até julho deste ano, os Estados apresentaram superávit primário equivalente a 1,24% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados do Banco Central. Além disso, a disponibilidade de caixa está na faixa de 2% do PIB. Ambos os dados são os melhores em pelo menos 20 anos.

No primeiro semestre, a arrecadação do ICMS apresentou alta de 16% sobre 2021, totalizando R$ 49,1 bilhões. Considerando a arrecadação total dos Estados, a alta foi de 17% no período. As alíquotas do ICMS de combustíveis, energia, comunicações e transportes foram reduzidas a partir de 23 de junho.

Em julho, as receitas do ICMS já começaram a apresentar queda: 11,4% na energia elétrica e 6,4% em comunicações. Mas nos combustíveis houve alta, de 6,9%.

Os Estados afirmam que os efeitos do corte das alíquotas só começaram a aparecer no mês passado, e parcialmente. A arrecadação de agosto, que ainda está sendo apurada, será a primeira a mostrar o efeito pleno da medida. É por essa razão que as discussões na comissão especial só serão retomadas nesta sexta-feira. Até lá, os números estarão fechados.

Do lado do governo federal, há também a expectativa de aprofundar as discussões a partir de mais dados e da portaria.

A tese da equipe de Guedes é que a arrecadação forte vista nos tributos federais deve estar ocorrendo também nas receitas estaduais.

O avanço da arrecadação federal, impulsionado principalmente pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), tem beneficiado Estados e municípios. Os entes subnacionais recebem, via Fundos de Participação, cerca de metade das receitas desse tributo.

As projeções do Ministério da Economia mostram que as transferências por repartição de receitas ficarão em R$ 451,7 bilhões este ano, 24,8% a mais do que o previsto na lei orçamentária. O volume será o maior da série histórica do Tesouro Nacional, iniciada em 1997.

Fonte:Valor Econômico