Setor de serviços apoia criação de microimposto como alternativa às PECs que tramitam no Congresso. Especialistas divergem

A criação de um imposto sobre transações financeiras, nos moldes da antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), voltou ao debate público. O Instituto Unidos Brasil (IUB), grupo formado por 300 empresas incluindo Riachuelo, Carrefour e Grupo Iguatemi, entregou a parlamentares, na semana que passou, três Propostas de Emenda à Constituição (PECs) voltadas à área econômica, sendo uma delas a criação de um “microimposto” sobre as transações para financiar a desoneração da folha de pagamentos.

Desta vez, a discussão ocorre no contexto de uma reforma tributária que tramita no Congresso e sofre resistência de setores econômicos, como o de serviços. Não há, contudo, consenso entre especialistas se esse tipo de tributação seria benéfica à economia. Da mesma forma, não há expectativa de que mudanças tributárias ocorram em ano eleitoral.

“(A proposta) Elimina um dos tributos mais nocivos do Brasil, que é a tributação sobre salário em um país com 40 milhões de desempregados, subempregados e na economia informal”, diz o ex-secretário especial da Receita Federal e professor da FGV, Marcos Cintra. “(A nova CPMF) Daria mais solidez ao financiamento da Previdência, e a desoneração da folha reequilibraria os efeitos de deslocamento da carga tributária. Nisso, todo mundo concorda, o grande problema é como desonerar”, completa.

A expectativa é de que a alíquota do microimposto gire em torno de 0,5%, mas ela seria definida por lei complementar, após a aprovação da proposta. Apesar de pequena, por incidir sobre grande parte das transações financeiras, seu potencial de arrecadação é grande o suficiente para cobrir o rombo causado pela desoneração da folha.

Segundo Cintra, o microimposto possui diferenças fundamentais em relação à CPMF. A primeira é que ele não vai ser instituído para aumentar a carga tributária, mas para substituir uma fonte de arrecadação existente.

“A CPMF também incidia sobre uma base fundamentalmente de cheques e movimentação de contas bancárias. No mundo digital, com Pix (sistema de pagamento instantâneo), com moedas digitais, essa base é muito mais ampla, e o potencial de arrecadação (do microimposto) é mais elevado”, afirma.

Sonegação

Outra vantagem do tributo é poder chegar a setores da economia que não geram receita à União atualmente. O economista estima que 30% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro está nessa situação, formado pela economia informal, sonegação, crime organizado e elisão fiscal.

“O crime, por exemplo, com contrabando de armas, drogas, roubos de carga e o trabalho das milícias que controlam comunidades inteiras, não é alcançado por imposto nenhum. A única forma de alcançar esse segmento é com um imposto sobre pagamentos”, aponta o especialista.

A CPMF esteve em vigor entre 1997 e 2007. Após o fim da tributação, o governo Dilma Rousseff (PT) sugeriu a volta de um imposto nesses moldes em 2011 e, novamente, em 2015, após grave crise econômica.

Em 2020, o governo Jair Bolsonaro (PL) também admitiu estudar a criação de um imposto sobre transações financeiras. Sempre que o assunto vem à tona, porém, há grande resistência por parte do setor econômico.

De acordo com o especialista em contas públicas Murilo Viana, “agora, tem um contexto político para eles estarem resgatando essa questão”. Ele lembra estar “havendo muita discussão sobre reforma tributária, as PECs 45 e 110”. O setor de serviços acusa que, com os projetos, haveria grande majoração de carga sobre o setor, e diminuição no setor industrial. “Eles avaliam que seria melhor arcar com esse novo imposto e ter a desoneração do que manter a folha com custo elevado e ainda cair no guarda-chuva da PEC 110.”

Alívio

Por ser muito intensivo em mão de obra, o setor de serviços é fortemente impactado pelos tributos sobre a folha de pagamento. Dessa forma, a desoneração seria um alívio, e há maior aceitação a um imposto sobre as transações. Por outro lado, por ser cumulativo, esse tipo de tributação teria grande impacto sobre as indústrias, principalmente as que possuem cadeias produtivas longas.

Para Murilo Viana, porém, esse tipo de imposto traz grandes desvantagens para a economia. “É uma alíquota pequena entre aspas, mas vai incidir tantas vezes que vai gerar um volume muito grande de arrecadação. Isso desestimula o mercado de crédito, de capitais, que o Brasil já tem dificuldade de desenvolver. Ele é muito cumulativo, e tiraria também a competitividade do produto brasileiro lá fora, já que estaria embarcado no produto a ser vendido”, afirma.

Já o professor e especialista em Direito Tributário André Félix acredita que os benefícios da desoneração da folha fazem valer a pena a criação do microimposto. “Existe muita sonegação e muita gente não é registrada formalmente por conta da tributação. Desonerando a folha, com certeza, vai impulsionar a economia e mais pessoas vão ser devidamente registradas. Além disso, o custo de uma nova CPMF não seria tão pesado assim.”

Para o especialista, contudo, nem essa nem as outras PECs que sugerem reformas tributárias vão para frente neste ano. “Está tendo discussão porque isso dá visibilidade, mas essas mudanças não vão ser aprovadas neste ano. Reforma tributária se discute e se aprova no primeiro ano do governo, quando você acabou de ser eleito e conta com o apoio da população. Passou do primeiro ano, já fica difícil”, avalia.

Via Correio Braziliense