País tinha, no fim de 2021, 26 milhões de execuções fiscais

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) conseguiu mapear os problemas que geram o enorme volume de processos tributários e decidiu tomar medidas práticas para tentar conter a litigiosidade. Uma resolução publicada ontem prevê, por exemplo, a realização de mutirões para estimular acordos entre Fisco e contribuintes.

Trata-se de um problema crônico. Ao fim de 2021, existiam 77 milhões de ações em andamento e 35% de toda essa massa – cerca de 26 milhões – correspondiam a execuções fiscais. São as ações movidas por municípios, Estados e União para cobrar tributos.

Todo esse volume impacta o funcionamento da máquina. Vem sendo apontado, ano a ano, como o principal fator de morosidade da Justiça brasileira. A taxa de congestionamento, no ano passado, foi de 90%.

Significa dizer que de cada cem ações de execução fiscal em tramitação, apenas dez foram encerradas. Em outras palavras: os governos estão cobrando, mas não estão recebendo. As execuções fiscais são uma parte importante do problema tributário do país, mas não a única.

Existem também os processos ajuizados pelos contribuintes: mandados de segurança e ações ordinárias contestando cobranças e pedindo devoluções.

O mapeamento do CNJ mostra o IPTU, imposto cobrado pelos municípios, como o campeão de litígios. Em seguida vem o ICMS, o imposto estadual, e depois PIS e Cofins e contribuição previdenciária, que são cobrados pela União. Esses tributos, sozinhos, respondem por 60% de todo o acervo.

Se somado tudo o que está em discussão no Judiciário e na esfera administrativa chega-se à cifra trilhardária. Correspondem a 73% do PIB, que, no ano passado, fechou em R$ 8,7 trilhões. A quantificação consta no relatório “Doing Business 2021”, do Banco Mundial, e é citada no estudo do CNJ.

“Não restam dúvidas do impacto que a litigiosidade tributária gera no Judiciário como um todo. Mas esses impactos vão além da seara judiciária. Atingem a arrecadação, os contribuintes e o ambiente de negócios do país”, diz Marcus Vinícius Jardim Rodrigues, conselheiro do CNJ e relator da proposta de resolução aprovada com base no estudo inédito que foi elaborado pelo órgão.

O diagnóstico que aponta os problemas e indica quais caminhos seguir foi publicado na semana passada e reúne informações do Judiciário e de tribunais administrativos, que funcionam como um primeiro “balcão” de discussões entre contribuintes e o Fisco municipal, estadual ou federal.

Foi elaborado a partir de duas outras pesquisas: uma feita pelo Insper, contratado pelo CNJ para fazer o mapeamento do contencioso tributário judicial, e a outra produzida em parceria pela Receita Federal e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que trata exclusivamente do que acontece nos tribunais administrativos. “Apresentamos uma visão sistêmica dessas duas pesquisas.

Fizemos os dois documentos conversarem, se integrarem, para conseguirmos compreender o fenômeno como um todo”, diz Eduardo Sousa Pacheco Cruz e Silva, chefe de gabinete da Secretaria Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ.

Parte da explicação da alta litigiosidade vem, justamente, da falta de comunicação entre Judiciário e tribunais administrativos. Servidores de 59% dos conselhos de contribuintes – a maioria em âmbito municipal – não têm ato normativo que os vinculem às decisões judiciais proferidas em recurso repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Não existem, além disso, convênios de cooperação ou intercâmbio de informações entre Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais e tribunais administrativos.

O percentual de modificação das decisões administrativas pelo Judiciário é expressivo. Chega a 48,2% na primeira instância. Já o índice de reversão da primeira para a segunda instância é baixo, de apenas 7%. Ou seja, a imensa maioria das reversões que são feitas por juízes é mantida pelos desembargadores.

Outro ponto de alerta da pesquisa é a baixa quantidade de magistrados especializados na matéria, situação que contribui para a demora na resolução dos casos. Ficou constatado que as varas especializadas levam aproximadamente metade do tempo para prestar a mesma atividade jurisdicional de varas generalistas.

O sistema tributário brasileiro, por si só, é complexo. Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), uma empresa, para estar em dia com as obrigações fiscais no Brasil, precisa seguir o que consta em 4.626 normas. Quantidade que, se impressa em formato A4, ocuparia as pistas de ida e volta da Avenida Paulista, de um extremo ao outro, e ainda sobraria papel. Seriam 6,5 quilômetros.

Além da complexidade, diz a pesquisa do CNJ, falta transparência. “As informações sobre normas tributárias e sua interpretação não estão chegando ao destinatário final, que é o contribuinte”, aponta o estudo.

Os portais da administração tributária não são considerados “fáceis e amigáveis” pelos contribuintes. Chama a atenção, além disso, a demora do Fisco em responder quando consultado.

Um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU), do ano de 2019, é citado na pesquisa. Aponta o tempo médio para as respostas: 350 dias. “Impacta negativamente a conformidade dos contribuintes à legislação tributária”, frisa o estudo.

Há destaque, ainda, para o índice “Tax Complexity”, elaborado em 2016 pelas universidades alemãs LMU Munich e Universität Paderborn, que colocou o Brasil na 66ª posição entre cem países no critério “orientação” pela administração tributária.

E, para completar, verifica-se, no estudo do CNJ, que os fiscais autuam os contribuintes antes de a interpretação de uma nova legislação ser conferida pelo órgão máximo pertencente à administração tributária.

Todo esse arcabouço recém-descoberto, além de servir de base para a resolução que prevê reduzir a alta litigiosidade, também pautou as discussões da comissão de juristas que foi criada pelos presidentes do CNJ e STF, ministro Luiz Fux, e do Senado, Rodrigo Pacheco, para modernizar os processos tributário e administrativo.

“Esse diagnóstico é a pesquisa mais profunda já realizada sobre o tema”, diz Marcus Lívio Gomes, secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ, que também preside a subcomissão de direito tributário do grupo de juristas.

Essa comissão está sob a liderança da ministra Regina Helena Costa, do STJ, e a apresentação do texto final está prevista para hoje em cerimônia no Senado.

Já a Resolução do CNJ, de nº 471, que vincula o Judiciário, foi aprovada em plenário na semana passada e publicada ontem no Diário de Justiça Eletrônico. Essa norma institui a política judiciária nacional de tratamento adequado à alta litigiosidade do contencioso tributário.

Prevê treinamento de magistrados, servidores, conciliadores e mediadores, acompanhamento estatístico, atuação em parceria com entes federativos e a priorização de soluções consensuais em disputas tributárias.

Cria, nessa esteira, a “Semana Nacional da Autocomposição Tributária”, que estabelece a realização de mutirões para estimular acordos entre Fisco e contribuintes. Esses mutirões, segundo consta no texto, ocorrerão sempre no mês de outubro.

Fonte: Valor Econômico – Via Fenafisco