Estimativas para este ano melhoraram, mas analistas avisam que quadro recessivo que estava no radar de 2022 ficou para o ano que vem, especialmente com a piora da perspectiva externa e dos riscos fiscais por conta da PEC Eleitoral

As perspectivas de baixo crescimento ou mesmo de recessão — que era previsto para este ano — foram transferidas para o começo do próximo ano. E, portanto, quem vencer nas urnas em outubro receberá uma economia cambaleante e com uma conjuntura de farra fiscal sem precedentes em curso que estão fazendo o dólar subir — devido às desconfianças dos investidores — e, consequentemente, pressionar a inflação deste ano e do próximo.

No início do ano, o governo anunciou medidas para estimular o consumo, como a antecipação do 13º dos aposentados e o saque emergencial do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Essas ações, junto com a retomada gradual do setor de serviços, contribuíram para a surpresa positiva do resultado positivo de 1% no PIB do primeiro trimestre e ajudaram na melhora das projeções deste ano.

Historicamente, todo governo gasta bem em ano eleitoral para garantir a reeleição — instrumento que vem jogando contra o crescimento do país desde a sua aprovação, em 1997. O presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi eleito prometendo acabar com esse mecanismo, está fazendo de tudo para continuar no poder, pois está atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas.

Agora, às vésperas do início da campanha eleitoral, o governo e o Congresso pretendem escancarar os cofres públicos com o pacotão de benefícios da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº1/2022 — a PEC Eleitoral ou Kamikaze. A matéria tramita no Congresso e, de acordo com cientistas políticos, pode não garantir essa vitória almejada de Bolsonaro e até ser um tiro no pé.

O conjunto de benefícios previsto na PEC Eleitoral, que devem custar, neste ano, R$ 41,2 bilhões para os cofres públicos em despesas fora do teto de gastos. Isso deve ajudar a melhorar as perspectivas do terceiro trimestre de 2022, mas especialistas reconhecem que as maldades, como consequência da irresponsabilidade fiscal, já estão programadas para 2023. Haverá desaceleração a partir do quarto trimestre deste ano, e, no próximo, o PIB vai crescer muito pouco, perto de zero, na melhor das hipóteses.

Especialistas não têm dúvidas de que, a despeito do discurso do ministro da Economia, Paulo Guedes, que vinha falando que a consolidação fiscal estava em curso, o desarranjo das contas públicas ganha corpo com a PEC Eleitoreira. Aliás, Guedes tem evitado fazer comentários sobre essa PEC, que tem gerado desconforto técnicos sérios que ainda permanecem na equipe econômica.

“A questão é que o novo governo, seja quem for que vença as eleições, terá que lidar com essa agenda com muita incerteza na questão fiscal. Existe um legado já herdado de R$ 91,2 bilhões que são despesas extras que precisarão estar no Orçamento de 2023”, alerta a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. Segundo ela, nessa conta estão previstos a manutenção do Auxílio Brasil de R$ 400 e da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 35%, mas não está incluída uma possível prorrogação da PEC Kamikaze. “Essa conta poderá ser muito maior e, em uma economia que vai crescer muito pouco, será um grande desafio para o governo administrar essa agenda em meio um cenário global de desaceleração”, alerta.

Pelas estimativas da Tendências, uma das mais otimistas para 2023, o PIB deverá crescer 0,7% no ano que vem, mas não conseguirá avançar acima de 2% antes de 2025. Aliás, somente daqui a três anos, a renda per capita em dólar deverá voltar ao patamar de dois dígitos.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, estima crescimento de 0,5% do PIB em 2023, mas não descarta um cenário de recessão da economia no começo do ano que vem. “Temos uma desaceleração em curso vindo à frente por várias razões. Há um cenário internacional mais complicado, muito provavelmente recessivo pela frente. Aqui, no Brasil, a taxa de juros vai subir mais ainda em agosto e ficar, durante muito tempo, em patamar elevado. E esses elementos de risco estragam o cenário da economia com bastante intensidade no ano que vem”, explica.

O analista lembra que o risco fiscal, por conta da PEC Eleitoral, piora as projeções, porque vira impacto em câmbio, que aumenta a inflação e pressiona ainda mais a taxa de juros. “O cenário, hoje, está bastante adverso, porque tem componentes domésticos e externos bem fortes que atrapalham a economia em 2023. E ainda tem a questão eleitoral”, destaca Vale. Segundo ele, o fato de Bolsonaro estar atiçando a população, questionando a eficácia das urnas eletrônicas, por exemplo, também pode gerar ainda mais insegurança. “Vamos ter muita insegurança e muita incerteza sobre isso, além da polarização e como o futuro governo vai lidar com ela”, acrescenta.

Marcos Ross, economista-chefe do Banco Haitong no Brasil, também prevê um quadro recessivo no ano que vem, em meio à derrocada fiscal e das instituições fiscais que estão levando o juro neutro para 4%, em termos reais. “Se isso for verdade, pode ser que a Selic tenha que ficar mais alta por bem mais tempo, o que acarreta em mais desaceleração econômica”, alerta. A instituição chinesa estima altas de 0,8%, no PIB deste ano, e 0,3%, no do ano que vem em um cenário com a Selic encerrando 2022 em 13,75%, mas continuando em dois dígitos até o fim de 2023, quando fechará o ano em 10,75%, cenário que vem espantando a classe média do país.

O Itaú Unibanco, que iniciou o ano prevendo queda de 0,5% no PIB de 2022, hoje, projeta alta de 2%. Contudo, a instituição reforça o alerta sobre a piora no cenário fiscal e manteve em 0,2% a estimativa de alta do PIB no ano que vem. A estimativa do banco para o rombo fiscal em 2023 aumentou de 0,4% para 1,5% do PIB, com a dívida pública bruta chegando a 83,5% do PIB. “O quadro fiscal está piorando e isso é preocupante, porque tende a deteriorar as perspectivas macroeconômicas. Apesar da melhora das projeções do PIB deste ano, a política monetária continua contracionista”, destaca Julia Gottlieb, economista do Itaú Unibanco.

Via Correio Braziliense