Ofensiva do órgão, com tom cada vez mais forte, mostra a dificuldade que o assunto encontrará no Congresso

Diante da crescente resistência à mudança no voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a Receita Federal subiu o tom de críticas ao órgão e agora questiona até a representação dos contribuintes. Em nota divulgada na manhã de terça-feira (31/1), o órgão chefiado por Robinson Barreiras ataca o tempo que o Carf leva para julgar os processos e aponta que a representação dos contribuintes não reflete a diversidade de posições na sociedade.

“O fato de o Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) existir há 100 anos não significa que o órgão funcione bem. A começar pelo fato de que o processo administrativo fiscal brasileiro demora em média 6 anos para ser concluído, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), o que é um tempo inaceitável por qualquer parâmetro”, diz a nota.

O texto também questiona a existência de segunda e terceiras instâncias no colegiado, “algo desconhecido no resto do mundo”. “Além disso, a indicação da quase totalidade dos representantes dos contribuintes por algumas poucas confederações empresariais não permite referir-se à diversidade de posições. São 67 titulares e 17 suplentes indicados por essas confederações, apenas 6 titulares indicados por centrais sindicais e nenhum indicado por contribuintes de fato (consumidores que assumem a maior parte do ônus tributário no país)”, diz a Receita.

Um especialista em Carf que pediu anonimato critica a nota da Receita e explica que o processo de escolha de conselheiros é feito por um comitê de seleção composto por representantes da Receita,  Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sociedade Civil, Confederações Econômicas e o presidente do Carf. Esse comitê decide os representantes a partir de listas tríplices, que têm a exigência de que os três indicados na lista tenham todos condições técnicas para ocupar a função. Se algum integrante da lista não estiver qualificado, ela é considerada inapta e o responsável pela indicação dos contribuintes tem que apresentar uma nova para que então seja feita a escolha.

Para Luiz Gustavo Bichara, sócio de escritório do mesmo nome, é “curioso” que a Receita critique o tempo de demora nos julgamentos do Carf depois de dois anos em greve. “Afinal, a Receita acha que os conselheiros são isentos ou não? Na ADI que fizemos contra a versão anterior do voto de qualidade, a PGFN disse expressamente que não se pode pressupor parcialidade dos conselheiros. Aí vai o Haddad e diz que o pacote serve para arrecadar, logo, quer dobrar a espinha dos conselheiros da Fazenda. Não entendi até agora o que, afinal, pensa a Fazenda”, critica.

Bichara ainda aponta que o bônus dos funcionários da Receita é vinculado à arrecadação e que, para piorar, eles recebem esse extra independentemente de a receita ser definitiva (ou seja, o auditor recebe mesmo se posteriormente o contribuinte conseguir impugnar o tributo). “O parágrafo único do art. 1º do Decreto 11.312/23 estabelece que o índice de eficiência considerará “o desempenho do julgamento de processos administrativos fiscais”. Então, se uma determinada exigência for mantida na esfera administrativa, por exemplo, mas posteriormente for julgada inconstitucional no Judiciário, chegaremos ao cenário bizarro de auditores fiscais terem se beneficiado por conta de uma exigência inconstitucional”, argumenta Bichara.

No último domingo, a Receita Federal já havia divulgado uma nota de esclarecimento sobre a questão do Carf, apontando que seria errada a crítica de que os conselheiros indicados pelo Fisco são parciais. A nota foi acompanhada de um documento com “mitos e verdades” sobre o Carf. Segundo a Receita, a paridade entre contribuintes e fisco no conselho interessaria a poucos, com débitos milionários ou bilionários.

A ofensiva do órgão, com tom cada vez mais forte, mostra a dificuldade que o assunto encontrará no Congresso, que retoma seus trabalhos nesta quarta-feira (1/2). É bom lembrar que o fim do voto de qualidade da Receita foi decidido por deputados e senadores, apesar da contrariedade do Fisco.

Via Jota