Queda das expectativas de inflação e Selic em 13,75% ao ano colocam juro real em patamar elevado

O alívio gradual observado nas expectativas de inflação e a perspectiva de manutenção da taxa Selic em níveis elevados nos próximos meses indicam um cenário de contração monetária ainda mais intensa à frente. A postura monetária, ou seja, o nível efetivo do aperto monetário na economia brasileira está no maior patamar desde 2003 e deve continuar a aumentar, na medida em que o juro real tende a subir adicionalmente.

Esse movimento, inclusive, tem gerado discussões sobre quando a postura do Banco Central começará a ser flexibilizada.

Nos cálculos do Santander, o juro real ex-ante, obtido pela diferença entre a Selic e as expectativas de inflação 18 meses à frente, está em 8,7% ao ano. E, com base em uma estimativa de 4% para o juro real de equilíbrio, aquele que não estimula nem contrai a economia, o aperto monetário efetivo da economia está em torno de 4,5 pontos percentuais, de acordo com o banco.

“É uma forma que usamos para tentar calcular o aperto monetário efetivo. Naturalmente, o horizonte de 18 meses é móvel e, com o passar do tempo, começa a pegar projeções de inflação que já estão mais próximas da meta”, diz Mauricio Oreng, superintendente de pesquisa econômica do Santander. “Como a tendência das expectativas de inflação é de queda – o que indica um aumento do juro real -, a política monetária fica mais contracionista de forma autônoma ao longo do tempo.”

De acordo com Oreng, a diferença entre o juro real projetado e a taxa de juros de equilíbrio deve ultrapassar a barreira dos 6 pontos, algo que não é visto desde 2002. “Estamos vendo um aperto monetário bem intenso, mas necessário. É a dose do remédio que precisamos para trazer a inflação de volta ao centro da meta”, diz. Ele, inclusive, avalia que essa tarefa é complicada para o BC, diante de um mercado de trabalho “aparentemente sem ociosidade) e da continuidade de estímulos fiscais.

“Vai chegar um momento em que o BC vai começar a cortar juros. Na nossa visão, o ‘timing’ ideal será no início do segundo semestre do próximo ano”, diz. Oreng, porém, não descarta a possibilidade de a autoridade monetária começar a reduzir a Selic ainda na primeira metade de 2023.

“Vai depender das expectativas. Por enquanto, estamos vendo um movimento baixista. Dependendo desse movimento e do que o BC vai ver em termos de cenário, não descarto a possibilidade de cortes antecipados no juro.” Há quem aponte para a chance de o processo de flexibilização ter início já no primeiro trimestre de 2023, embora o próprio BC tenha tentado descartar essa possibilidade.

A curva de juros embute nos preços um início de processo de corte de juros em março, que leva a Selic dos atuais 13,75% para 10,5% no fim de 2023.

De acordo com a sócia e economista-chefe da Gap Asset, Anna Reis, como os últimos anos foram marcados por uma inflação elevada e persistentemente acima da meta, há um prêmio de risco embutido nas métricas de inflação “implícita” projetadas para os anos seguintes. Ela, inclusive, aponta que isso é agravado pela incerteza em torno da política econômica do próximo governo.

Assim, na visão da economista, a probabilidade maior é de que o aperto monetário efetivo atualmente projetado pelos economistas não se confirme. Como exemplo, ela nota que, em dezembro de 2024, a projeção para o IPCA está em 3,47%, com uma taxa Selic de 8%. Ao considerar um juro neutro de 4%, o juro real no fim de 2024 estaria em 0,53% e, portanto, a taxa de juros ainda seria contracionista.

“Caso as projeções para a inflação do Focus [boletim divulgado pelo BC que capta projeções de mercado], que são bastante benignas, se confirmem, provavelmente a Selic vai ser menor do que aquela que está precificada. Não haveria necessidade de um aperto tão grande à medida que o horizonte vai caminhando. Ou o BC cortaria juros mais cedo ou em um ritmo maior”, diz.

“Por outro lado, se as projeções de Selic do Focus se confirmarem, isso provavelmente ocorrerá porque a inflação surpreendeu para cima. De qualquer forma, é provável que o aperto acabe sendo menor.” Nas projeções da Gap Asset, a inflação deve encerrar 2023 em 4,7%, com um balanço de riscos bastante simétrico. De um lado, uma recessão global pode provocar uma queda nos preços das commodities, o que aceleraria a desinflação, e, de outro, uma inflação de serviços mais persistente pode atrasar a ancoragem para as metas.

O economista Werther Vervloet, da Ace Capital, nota que os efeitos do aperto da política monetária já começam a ser vistos na economia. “Não começamos a sentir totalmente os impactos, mas já começamos a ver alguma coisa no consumo de bens, que está caindo, assim como na produção industrial, que está de lado. A última rodada de indicadores antecedentes também foi mais fraca e também há alguma desaceleração no crédito.”

Vervloet aponta que a atividade econômica deve começar a desacelerar de forma mais clara, o que tende a ajudar no processo de desinflação. “O último IPCA teve o efeito dos cortes de impostos que o governo adotou, mas vai além disso. As medidas de núcleo já estão desacelerando em uma velocidade bem razoável. Estamos no início de um processo desinflacionário, que vai se intensificar conforme a atividade desacelera também.”

Ele lembra, ainda, que, já no início de 2023, o BC deve olhar majoritariamente para o IPCA de 2024. “Com a inflação de 2023 em um nível mais razoável e as projeções de 2024 compatíveis com o centro da meta, o BC pode começar a cortar os juros. No nosso cenário, ele deve começar em maio, mas, a depender de como as coisas se desenrolarem, não é possível descartar um início em março”, afirma Vervloet.

O sócio e economista-chefe da Reach Capital, Igor Barenboim, avalia que, embora o juro esteja alto, ainda há desafios inflacionários grandes. “A inflação de serviços subjacente está rodando a 0,6% ao mês, o que é um nível bastante alto, e não vejo motivos para isso mudar no curto prazo. Acredito que o BC ainda vai demorar para se sentir confortável em cortar os juros.”

Barenboim espera que a pressão por cortes de juros se intensifique no começo de 2023. Ele, porém, acredita que o BC deve esperar para iniciar o ciclo de afrouxamento apenas em junho, “quiçá só na reunião de agosto”. “Essa inflação demora para cair. O hiato está mais apertado e ela tem um caráter mais persistente. Vejo a pressão do mercado, que vai querer fazer apostas em cortes mais cedo, mas não vejo o BC reduzindo a Selic antes”, diz.

Fonte: Valor Econômico – Via Fenafisco