O tema benefícios/incentivos fiscais chegou com força à Assembleia Legislativa de Santa Catarina logo no início dos trabalhos parlamentares, em fevereiro deste ano. A edição de decretos pelo Poder Executivo nos últimos dias de 2018, com a retirada de benefícios que resultariam na elevação da alíquota do ICMS de diversos produtos, mobilizou os deputados, preocupados com as consequências do aumento da carga tributária na competitividade dos produtos catarinenses, ameaçando emprego e renda.

Diante das negativas do governo em revogar os decretos, sugerindo, inclusive, que existiriam benefícios “de gaveta”, conforme afirmou o secretário da Fazenda, Paulo Eli, o Parlamento catarinense agiu e foi decisivo para o desfecho da situação: num acordo entre os líderes das bancadas partidárias e dos blocos com representação na Alesc, conduzido pelo presidente do Legislativo, deputado Julio Garcia (PSD), propôs e aprovou um projeto de lei que prorrogou o início da vigência dos decretos, previsto inicialmente para abril, para agosto.

A medida, já sancionada pelo Executivo, ao mesmo tempo em que agradou o setor produtivo, deu tempo ao governo apresentar, na forma de projetos de lei, a revisão de todos os benefícios concedidos, conforme determinação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), válida para os demais estados e o Distrito Federal.

Santa Catarina está há vários anos em guerra contra outros estados da federação e, mais recentemente, contra países como o Paraguai. É um conflito que ocorre dentro dos gabinetes, sem o conhecimento da maioria da população, no qual o objetivo final é a conquista de investimentos. Trata-se da chamada Guerra Fiscal. E a principal arma atende pelo nome de benefício ou incentivo fiscal.

Numa explicação simples, o benefício fiscal pode ser entendido como a concessão, por parte do governo estadual, para que um determinado produto ou setor da economia tenha condição especial no recolhimento de um tributo. Na prática, o contribuinte beneficiado, seja ele da indústria, comércio ou serviços, paga menos imposto. No caso dos estados, o principal é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Só em Santa Catarina, ele responde por 80% da arrecadação própria dos cofres públicos.

Em geral, o benefício fiscal é concedido na forma da redução da alíquota do ICMS a ser pago, como crédito presumido ou mesmo com a isenção total no imposto. Ao arcar com uma carga tributária menor, essa redução poder ser repassada para o consumidor final (com produtos mais baratos) ou mantida para aumentar (ou manter) a margem de lucro.

O objetivo dessa condição especial é auxiliar setores produtivos em dificuldade, em decorrência de problemas pontuais ou mesmo de uma crise econômica. Mas os benefícios fiscais se tornaram importantes mesmo em períodos de expansão da economia, como uma estratégia para trazer investimentos para o estado ou mesmos mantê-los por aqui, quando são assediados por outras unidades da federação.

“O benefício fiscal é uma arma indispensável”, afirma o auditor fiscal da Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina José Antônio Farenzena, que assumirá, a partir de maio deste ano, a presidência do Sindicato dos Fiscais da Fazenda estadual (Sindfisco). “Se Santa Catarina não tiver mecanismos de defesa, perde suas indústrias para outros estados e até mesmo para outros países.”

“A possibilidade da concessão de incentivos fiscais por parte dos estados cria para eles um diferencial muito importante em relação à captação de investimentos internos e externos. Devido a isso, essa prática se torna muito importante em caso de uma guerra fiscal”, complementa o presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike.

Critérios

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José Antônio Farenzena

Conforme Farenzena, todos os benefícios são concedidos com base em estudos elaborados pela área técnica da Secretaria de Estado da Fazenda. Na maioria deles, são definidas quais as contrapartidas que o setor beneficiado tem que oferecer ao Estado. “Quase sempre há previsão [de contrapartida]. É feito um estudo caso a caso. No caso dos portos, por exemplo, o beneficiado é obrigado a trazer a carga para Santa Catarina. Neste caso, a contrapartida é o desenvolvimento do local onde o porto está instalado”, comenta.

O dirigente do Sindfisco afirma que os benefícios concedidos por Santa Catarina para importação foram importantes na atração de investimentos para as regiões portuárias do estado. “Santa Catarina não é o principal mercado consumidor do país, mas muitas importações entram pelo nosso estado e daqui vão para o restante do país.”

Conforme a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc), a política de benefícios propiciou um aumento de mais de 370% nas importações catarinenses, que saltaram de 3,4 bilhões de dólares em 2006 para 16 bilhões de dólares em 2014.

Há casos em que não há a necessidade de uma contrapartida específica para a concessão do incentivo fiscal. “Alho, suínos, madeira, por exemplo, a manutenção dos empregos, dos produtores, é a contrapartida”, exemplifica.

Os benefícios trazem benefícios para todos?

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Vanessa Guesser Alves de Ramos

Ao conceder um beneficio fiscal, o Estado espera manter ou ampliar investimentos em seu território. Ele abre mão de uma parte de sua arrecadação para recuperá-la com o aquecimento da economia ou dos negócios de um determinado setor produtivo. Mas é possível afirmar se realmente os incentivos resultam em benefícios para toda a sociedade?

O futuro presidente do Sindicato dos Fiscais da Fazenda do Estado de Santa Catarina (Sindfisco), José Antônio Farenzena, afirma que os ganhos são, muitas vezes, indiretos. “Quando uma indústria vem para Santa Catarina, ela vai construir uma planta, vai movimentar a loja de materiais de construção, vai contratar. Isso gera para o cidadão comum renda, emprego”, diz. “Mesmo se não houver ganho tributário, o cidadão vai ter emprego. Quando a pessoa tem emprego, tem renda. Ela consume. Esse consumo se traduz em maior arrecadação de ICMS”, prossegue.

A contadora especialista em análise tributária Vanessa Guesser Alves de Ramos concorda. “Toda uma região acaba se fortalecendo. O ICMS mais baixo vai permitir que muitas pessoas fiquem empregadas. E essas pessoas vão consumir. O ICMS está vinculado ao consumo das pessoas. Quando elas consomem, o ICMS está sendo arrecadado.”

Crescimento

Farenzena aponta que a arrecadação de Santa Catarina com o ICMS entre 2013 e 2018, auge da crise econômica da atual década, foi a que mais cresceu entre todos os estados do Sul e Sudeste: 53%, bem superior à média nacional, que foi de 30%. Entre 2003 (quando a política de incentivos foi intensificada) e 2018, o crescimento foi de 356,6%, o maior entre os estados do Brasil e bem acima da média nacional (301,4%).

No entanto, esse crescimento, na avaliação do auditor, não pode ser atribuído apenas à concessão dos benefícios. “Os auditores fiscais têm trabalhado em ferramentas tecnológicas para facilitar o recolhimento de tributos e desburocratizar determinadas situações.”

Ele cita como exemplo o sistema de liberação de importações on-line, integrado com a Receita Federal, que permite o desembaraço das cargas em até oito minutos nos portos catarinenses. “É um ganho de competitividade, que implica em resultados positivos na arrecadação do Estado.”

Setor emblemático

Um dos setores mais beneficiados com os incentivos em Santa Catarina é o têxtil. Por usar mão de obra de forma intensiva, é um dos que mais gera empregos no Estado, com 170 mil postos de trabalho, conforme dados da Rais 2016.

As indústrias têxteis catarinenses foram atingidas pela concorrência com os produtos asiáticos. Além disso, são constantemente assediadas por outros estados. Para preservá-las em Santa Catarina, o governo concede crédito presumido de ICMS.

A Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) elaborou um estudo em 2018, denominado Incentivos à Economia, no qual aponta que mesmo tendo recebido em 2016 quase R$ 900 milhões em créditos presumidos, a manutenção do setor resultou em uma arrecadação superior a R$ 1,3 bilhão para os cofres públicos estaduais.

“O setor têxtil precisou desse benefício para se manter competitivo”, afirma Vanessa. “Neste caso, não é só o ICMS arrecadado a mais. Se a indústria migrar para outro estado ou país, a perda vai ser muito maior que o benefício concedido.”

Importações

A Fiesc fez uma comparação entre o montante de benefícios concedidos e a arrecadação de ICMS por Santa Catarina. Em 2011, por exemplo, o Estado abriu mão de R$ 4,3 bilhões de receita e obteve uma arrecadação de R$ 15,1 bi. Em 2017, foram R$ 5,6 bilhões de renúncia para uma receita final de ICMS de R$ 25,1 bilhões.

Para a entidade, “numa conta simples: enquanto as receitas cresceram 66% de 2011 para 2017, o volume de incentivos aumentou apenas 31%, menos da metade.”

A Fiesc também destaca que o volume de incentivos caiu percentualmente com relação à receita de ICMS: em 2011, eles representavam 28%; em 2017, equivaliam a 22%. “Nesse contexto, também salta aos olhos da opinião pública catarinense que o que aumenta mesmo, ano a ano, são as despesas com a folha de pagamento dos servidores públicos do Estado”, ressalta a Federação.

Os papéis da Alesc, Judiciário, MP e Tribunal de Contas

Os benefícios fiscais têm merecido atenção especial da Assembleia Legislativa de Santa Catarina desde janeiro deste ano. Em dezembro de 2018, o Poder Executivo editou decretos que retiravam incentivos para produtos da cesta básica, da construção civil e de outros segmentos da economia estadual. Procurados pelo setor produtivo e preocupados com as consequências dessas medidas para a geração de emprego e renda no estado, os deputados se mobilizaram contra os decretos.

Mas o envolvimento do Parlamento catarinense com essa questão é antigo. Nos anos 1990, em duas ocasiões, o Legislativo estadual aprovou projetos de lei que autorizavam o governo catarinense a tomar as medidas necessárias para defender o Estado na Guerra Fiscal. Entre essas medidas, estava a concessão de benefícios fiscais.

Na década atual, em virtude principalmente da queda da arrecadação causada pela crise econômica, e diante de dificuldades para o pagamento de fornecedores por parte do Estado, surgiram, no Parlamento, questionamentos sobre a viabilidade da manutenção dos benefícios.

No ano passado, a Alesc aprovou uma emenda ao projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2019 que, pela primeira vez, estabeleceu condições para os benefícios. Primeiramente, toda e qualquer concessão deveria ser oficializada apenas após a autorização dos deputados estaduais.

Em segundo, estipulou que o Estado deveria reduzir até 2022 a renúncia fiscal com os benefícios para, no máximo, 16% da arrecadação. Para isso, uma comissão da Secretaria de Estado da Fazenda deveria fazer a revisão dos incentivos vigentes.

Em março, após um acordo entre os líderes partidários, a Alesc aprovou um projeto que adiou para o prazo limite (31 de julho) a entrada em vigor dos decretos editados pelo Executivo em dezembro passado. O projeto também revogou o limite para renúncia fiscal com os benefícios e concedeu até 31 de maio o prazo para a Fazenda entregar a revisão dos benefícios ao Parlamento.

Justiça

A questão mobilizou também o Ministério Público Estadual (MPSC). Em janeiro de 2017, o MP ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) contra o artigo 99 da lei estadual sobre o ICMS (Lei 10.297/96), que permitia a homologação dos benefícios fiscais apenas com o silêncio da Assembleia, sem a necessidade da votação de um projeto de lei.

O Judiciário julgou procedente a ação em novembro de 2017 e determinou que, a partir de então, todo e qualquer incentivo só poderia ser concedido com a autorização dos deputados estaduais, mediante votação e aprovação de projeto de lei específico.

“Essa decisão do Órgão Especial do Tribunal Catarinense é de enorme relevância e representa mais uma conquista do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, tendo em vista que extirpa do ordenamento jurídico estadual dispositivo inconstitucional vigente por mais de duas décadas, pondo fim à prática de concessões de benefícios fiscais relacionados ao ICMS sem aprovação expressa do Poder Legislativo”, afirmou o procurador de Justiça Durval da Silva Amorim.

Tribunal de Contas

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Sidney Antonio Tavares Junior

O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC) não determinou ao governo estadual nenhuma revisão ou convalidação dos incentivos concedidos pela Fazenda. Conforme o diretor da Diretoria de Controle da Administração Estadual do TCE, Sidney Antonio Tavares Junior, o órgão, dentro de suas prerrogativas, abriu procedimentos de auditoria para verificar a questão legal e os resultados obtidos pelo Estado com a concessão dos benefícios.

“O TCE não demoniza os incentivos, mas ele tem a missão de verificar se esses benefícios estão sendo avaliados pelo Executivo, se eles trazem resultados para o Estado”, afirma. “O tribunal não determinou o cancelamento de nenhum benefício, mas não abre mão de verificar como eles são dados, se as contrapartidas das empresas são cumpridas.”

Tavares Junior explica que a área técnica do TCE já ouviu o Executivo sobre as justificativas para os benefícios. Os procedimentos, quando concluídos, serão encaminhados para o Ministério Público de Contas de Santa Catarina (MPC-SC) e para deliberação dos conselheiros do tribunal.

De acordo com o diretor, uma das dificuldades enfrentadas pelo tribunal é a dificuldade no acesso às informações sobre os benefícios, sob alegação, por parte da Fazenda estadual, de sigilo fiscal. “Mas o governo que assumiu este ano tem sinalizado uma mudança nesse sentido.”

Setor produtivo defende manutenção dos incentivos

A Agência AL ouviu as principais entidades representativas do setor produtivo catarinense a respeito do tema Benefícios Fiscais. Todas foram unânimes em garantir que os incentivos são necessários para manter o nível de emprego e renda no estado e que sua retirada traria danos enormes à economia catarinense e à arrecadação tributária.

Comércio, serviços e turismo

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Bruno Breithaupt

O presidente da Fecomércio-SC, Bruno Breithaupt, afirma que os benefícios surgem como uma maneira de corrigir distorções e estimular a competitividade da economia. “Não se pode abrir mão dos benefícios, sob pena de comprometer a geração de renda e emprego.” Os setores representados pela federação, conforme o dirigente, recebem 2,4% dos benefícios concedidos pelo Estado. Mesmo assim, os impactos para a economia catarinense são relevantes. “As empresas de tradings e atacadistas, por exemplo, optam por se instalar em Santa Catarina devido à política tributária vantajosa para estes segmentos em relação aos demais estados do Brasil”, comenta Breithaupt. “Só esses dois setores empregam quase 500 mil pessoas em Santa Catarina.”

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Ivan Tauffer

Pela Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas (FCDL-SC), o presidente Ivan Tauffer afirma que os incentivos fiscais auxiliam os lojistas na manutenção de seus negócios e no investimento em novas tecnologias, beneficiando a geração de empregos e receitas para Santa Catarina. “É preciso também manter a concessão de benefícios dentro de patamares que os iguala aos incentivos dos estados vizinhos, para não perdermos a competitividade.”

Indústria

No ano passado, a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) elaborou um estudo, denominado “Incentivos à Economia – Mitos e Verdades”, no qual defende a concessão dos benefícios fiscais e rebate os argumentos contrários a essa política.

A federação considera que os incentivos são, na realidade, um investimento social, uma vez que o apoio à atividade econômica mantém ou cria empregos, gera renda e melhora a arrecadação, que pode ser aplicada nos serviços públicos essenciais, como saúde, educação e segurança.”O problema do Estado brasileiro não reside na falta de recursos arrecadados por meio de tributos, mas pela má gestão do que se arrecada e pelo reconhecido gigantismo das estruturas administrativas”, afirma a entidade.

A Fiesc considera que, na falta de uma política industrial, os benefícios representam uma estratégia fiscal que primeiramente protegeu alguns setores, mas se consolidou como “ferramenta de fomento para ampliação e atração de novos empreendimentos.” Para a entidade, tal estratégia foi fundamental para que o Estado não atrasasse o pagamento dos servidores públicos. “O que parece mais lógico – e estratégico – é manter os incentivos, fomentar a economia, dar empregos, gerar renda e, desta forma, aumentar o consumo – fazendo com que a arrecadação cresça cada vez mais. E, claro, diminuir o tamanho e melhorar a eficiência da máquina estatal. O que precisa ficar claro é que reduzir os incentivos é também reduzir a arrecadação.”

Agricultura e pecuária

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José Zeferino Pedroso

José Zeferino Pedroso, presidente da Federação da Agricultura e da Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc), afirma que retirada de benefícios fiscais é “um golpe duro e desleal contra o produtor rural e o consumidor urbano.” Para ele, tal medida encarece o preço final dos alimentos, torna os produtos catarinenses menos competitivos no mercado nacional, aumenta o custo de vida das famílias, além de impactar na inflação.

A federação também se manifestou contrária à retirada dos incentivos para os insumos agrícolas. Conforme a entidade, o custo de produção aumentaria em torno de 25% e seria suportado quase que totalmente pelo produtor, pois repassar esse aumento para o preço final tiraria a competitividade do produto catarinense na comparação com os de outros estados.

Contrapontos: dependência e impactos a longo prazo

Embora a concessão dos incentivos fiscais tenha resultados positivos, há questionamentos a essa estratégia adotada pelos estados na briga pela atração e manutenção de investimentos em seus territórios.

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Arlindo Rocha

Professor do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas da Universidade do Estado de Santa Catarina (Esag/Udesc), o economista e doutor em Administração Arlindo Rocha estuda o tema Benefícios Fiscais há mais de 20 anos. Ele reconhece aspectos positivos nessa estratégia, mas acredita que, ao final, os resultados permanentes para o poder público e para o setor produtivo não são bons. “O incentivo fiscal, ao meu ver, é nocivo às economias dos estados e do Brasil. No curto prazo, os efeitos são positivos, pois há aumento nos investimentos e na oferta de emprego. Mas a partir do médio e longo prazo, reduzem a arrecadação”, afirma Rocha.

Outro problema, na avaliação do professor, é a dependência causada pelos incentivos. Para ele, o mais adequado seria atacar os vários pontos que comprometem a competitividade da indústria, com a realização de uma reforma tributária e a redução da burocracia por parte de governos que “gastam mal e gastam muito. Essa política [dos benefícios fiscais] eterniza a ineficiência dos setores e cria uma certa dependência”, afirma o economista. “Por outro lado, nossa carga tributária é extremamente alta. O melhor para resolver o problema da competitividade é reduzir essa tremenda carga em cima do setor produtivo, deixar que as empresas entrem em competição real, inclusive com o exterior.”

Para Rocha, os benefícios deveriam ser concedidos apenas em situações pontuais, como dificuldades setoriais ou crises econômicas. “É possível usar os incentivos principalmente em setores intensivos no uso de mão de obra. Mas há um problema: eles têm que ser curtos, sob o risco de criar dependência. O setor se acomoda, não consegue mais se livrar dos incentivos e perde competitividade.” O economista também questiona o impacto dos incentivos à população. Para ele, a redução do imposto não chega necessariamente ao consumidor final e serve para manter ou aumentar as margens de lucros das empresas.

Além disso, Rocha lembra que os municípios são prejudicados, já que 25% do ICMS arrecadado é repartido com eles. “Se você vai receber menos ICMS, o município também vai receber menos. Aqueles que não têm nada a ver com a instalação de uma indústria num determinado lugar vão levar prejuízo.”

O presidente executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, aponta, ainda, que as políticas de incentivo fiscal podem ser nocivas aos cofres públicos. Ele considera que seria salutar a criação de limites para a renúncia fiscal, já que atualmente não há nenhum regramento nesse sentido. “Isso pode acontecer se a política de incentivo fiscal for mal avaliada em sua concessão e os seus resultados não trazerem o benefício esperado, causando queda na arrecadação tributária.”

Ampliar a discussão

Economista do escritório regional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese/SC), José Álvaro Cardoso entende que os benefícios fiscais podem ser adotados como estratégia de desenvolvimento, mas defende que devem ser discutidos com a sociedade antes de serem aplicados. “Como são políticas de grande repercussão social, deveriam ser discutidas com a sociedade, especialmente com os trabalhadores, que são a esmagadora maioria da população. Os trabalhadores deveriam ser consultados, também, porque são fundamentalmente os que geram os impostos arrecadados pelo Estado.”

Por que os benefícios estão em processo de revisão?

Em fevereiro deste ano, o secretário de Estado da Fazenda, Paulo Eli, afirmou, em sessão especial na Alesc, que o governo terá que revisar todos os incentivos fiscais e encaminhá-los ao Parlamento para que eles sejam transformados em lei até 31 de julho. Este prazo foi estabelecido num convênio entre o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e os estados, com o objetivo de convalidar e reinstituir os benefícios concedidos pelas unidades da federação.

Esse processo é uma exigência da Lei Complementar 160/2017, que estabelece normas para que os incentivos possam ser mantidos pelos estados. Para isso, eles devem ser apresentados ao Confaz e posteriormente aprovados pelos parlamentos estaduais.

Em Santa Catarina, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2019 estabeleceu que a Fazenda estadual deveria, até 2022, reduzir para 16% da arrecadação a renúncia fiscal com os benefícios (o que foi revogado em março deste ano pelos deputados). Estabeleceu, ainda, que a secretaria criasse uma comissão para rever os incentivos concedidos pelo Estado.

“Os governos faziam a concessão por decreto ou por portaria. Com a Lei Complementar 160/2017 e a decisão do Tribunal de Justiça sobre o artigo 99, e também por decisão do Confaz, para a Alesc, não restou alternativa a não ser incluir na LDO a questão dos incentivos fiscais, trazendo para dentro do parlamento essa questão”, explica o deputado Marcos Vieira (PSDB), presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Assembleia.

“A Assembleia é a Casa do povo. Aqui tem que ser discutido tudo que é de interesse da sociedade. Quais os segmentos que passam a ter direito aos benefícios? Por que trazer outras empresas oferecendo tratamento diferente? A Alesc tem a competência de julgar qual segmento terá direito a benefício”, completa o parlamentar.

Déficit

O governador Carlos Moisés da Silva (PSL), assim que tomou posse, em janeiro, anunciou a revisão dos benefícios como estratégia para enfrentar o déficit nas contas estaduais, projetado em R$ 2,5 bilhões para 2019. “Vamos fazer uma análise criteriosa dessas isenções. Vamos verificar se o objetivo da isenção foi alcançado. Nosso objetivo não é quebrar nenhum segmento, até porque o governo depende de todos para arrecadar”, afirmou Moisés, no dia 2 de janeiro.

No dia 25 de março, quando veio à Alesc para entregar a proposta da reforma administrativa aos deputados, o governador reforçou o compromisso com a revisão dos benefícios. “É um processo que caminha bem. Temos recebido vários setores da economia e ouvido as demandas para podemos revisar e garantir o que é melhor para o setor produtivo e para o Estado.”

Opiniões sobre a revisão dos benefícios fiscais

“A Fiesc está de acordo com que a política de desenvolvimento industrial seja avaliada e ajustada, desde que ocorra a partir do diálogo com as categorias econômicas representadas pela entidade. As alterações unilaterais por parte do governo nos incentivos para fazer frente a gastos públicos desmedidos comprometem o desenvolvimento econômico, prejudicando toda a população. Tão importante quanto o esforço da sociedade, é o esforço do governo em reduzir gastos, buscando o equilíbrio das contas públicas, para fazer frente a tempos de austeridade” . Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc)

“Concordamos que seja feita a revisão, desde que acompanhada de uma análise constante e criteriosa sobre o que os outros estados estão dando de incentivos para manter a competitividade frente às unidades federativas. A FCDL/SC entende também que a revisão de incentivos fiscais e as alterações em legislações tributárias devam ser debatidas com todo setor produtivo e poder público conjuntamente” . Ivan Tauffer, presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Santa Catarina (FCDL/SC)

“A revisão é positiva, mas terá que ser feita com mais diálogo entre os setores produtivos afetados e o governo, visto que o contexto é de competitividade acirrada entre os estados brasileiros. A medida trará ainda maior transparência aos benefícios fiscais em Santa Catarina, possibilitando uma distribuição mais eficiente entre os segmentos produtivos” . Bruno Breithaupt, presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Santa Catarina (Fecomércio-SC)

“Sentimos que o atual governo tem sido muito receptivo ao setor produtivo. Esperamos que efetivamente vença o bom senso, que se consiga, no diálogo, encontrar o melhor caminho, que não venha a prejudicar o produtor catarinense” . José Zeferino Pedrozo, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc)

“A questão deve ser tratada com prudência. Manutenção ou revogação deve ser estudada com cuidado, pois afeta renda e emprego, afeta a segurança jurídica de setores econômicos e a concorrência deles com outros estados e países. A discussão tem que ser feita com calma, estudando setor a setor, ouvindo o setor produtivo e a parte técnica, os auditores fiscais, que analisam os números e conhecem o cenário” . José Antônio Farenzena, do Sindicato dos Fiscais da Fazenda do Estado de Santa Catarina (Sindfisco)

“Alguns segmentos econômicos têm, por lei, incentivos que já duram 15, 16, 18 anos. Normalmente, o benefício é concedido em razão de uma calamidade ou intempérie, ou em razão de uma crise financeira, ou ainda para atrair investimentos para Santa Catarina. Fazer a revisão é necessário. Eu pergunto: será que alguns desses segmentos vão continuar tendo esse mesmo direito? Cabe a Secretaria da Fazenda propor à Assembleia e ela aprovar ou não” . Deputado Marcos Vieira, presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Alesc.

 

Via Jornal Celeiro