Confira o artigo do auditor fiscal Rogério Mello, publicado na edição do Informativo Diat nº 60 de dezembro de 2020.  Clique aqui para salvar o arquivo em PDF.

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A Nota Fiscal de Consumidor Eletrônica (NFC-e) foi instituída no estado de Santa Catarina por meio do Decreto nº 555, de 13 de abril de 2020 e a Loja Koerich foi a empresa que emitiu o documento nº 000001, no dia 04 de agosto de 2020.

Este fato marca o fim de uma longa espera e uma “árdua batalha” travada pelos varejistas catarinenses que não se conformavam com o nosso estado ser o único a não ter aderido ao novo documento eletrônico, pois somos considerados de excelência em tecnologia e sendo o nosso polo líder no país em produtividade.

Levantamento anual sobre o perfil do setor de tecnologia de Santa Catarina, divulgado nesta quinta-feira durante o Startup Summit, no centro de eventos Governador Luiz Henrique da Silveira, em Florianópolis, revela que o faturamento de 2018 alcançou R$ 15,8 bilhões e o total de postos de trabalho chegou a 51,8 mil. Mostra que o polo catarinense é líder no país em produtividade, com receita de R$ 100 mil por trabalhador/ano enquanto a média nacional está em R$ 72 mil. SC também está à frente em faturamento médio (receita total dividida pelo número de empresas), que ficou em R$ 1,4 milhão por ano. As informações são do Observatório Acate, da Associação Catarinense de Tecnologia.

Enquanto no Brasil o setor de TI respondeu por 4,4% do PIB e faturou R$ 301,7 bilhões em 2018, no Estado representou 5,8% do PIB. E as empresas associadas à Acate responderam por 64% do total de R$ 15,8 bilhões do ano. Mas o resultado geral mostra que o setor de tecnologia de SC está sentindo o impacto negativo da estagnação econômica do Brasil. Isso fica claro no faturamento, que subiu apenas 1,9% em 2018 frente a 2017, quando o Estado obteve R$ 15,5 bilhões. (Por Estela Benetti – NSC Total – 15/08/2019)

Ocorre que, assim como somos de excelência em tecnologia, somos expert em controle fiscal do varejo, sendo este reconhecimento em nível nacional. Esta marca é fruto de duas décadas de intenso trabalho do fisco catarinense, que iniciou com a Lei nacional nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, que determinou o uso do equipamento Emissor de Cupom Fiscal – ECF nas operações varejistas, conforme o seguinte artigo.

Art. 61. As empresas que exercem a atividade de venda ou revenda de bens a varejo e as empresas prestadoras de serviços estão obrigadas ao uso de equipamento Emissor de Cupom Fiscal – ECF.

Os leitores mais atentos poderiam parar aqui e realizar o seguinte questionamento: pode um decreto estadual alterar uma obrigação definida por uma lei nacional? Ou de outra forma, se uma lei nacional obrigou os varejistas o uso do ECF, pode um decreto estadual obrigar o uso da NFC-e?

Este é um assunto que pode ser debatido em outro artigo, motivo pelo qual vou ignorá-lo e tratar somente do uso da NFC-e em Santa Catarina, nossas particularidades e nossos firmes posicionamentos.

Como dito, nossa história do controle do varejo começou em 1997, a partir da obrigatoriedade do uso do ECF, foram intensos trabalhos realizados no âmbito da DIAT, em especial na Gerência de Fiscalização.

Naquela época não existiam os grupos especialistas, entretanto, um pequeno grupo de Fiscais de Tributos Estaduais, hoje AFRE, se uniram na especialização do controle do varejo por meio do ECF e fundaram, simbolicamente, o GESECF.

A primeira e acertada decisão deste grupo foi não concentrar o conhecimento e iniciaram uma série de cursos de ECF por todo o estado, o que propiciou o aumento do grupo e uma representação de no mínimo um auditor especialista em cada Gerência Regional. Esta foi a primeira diferença em relação às demais unidades da federação, que normalmente tinham somente um auditor especialista nesta área, tornando-se infrutífera a árdua tarefa de fiscalizar um setor que concentra um elevado número de contribuintes.

Esta especialização difundida foi decisiva para combatermos o crime de sonegação fiscal praticado por muitos contribuintes catarinense com dolo, por meio de artifícios criminosos que modificavam ora o hardware ora o software básico do ECF de modo a proporcioná-los a livre escolha de quanto do seu faturamento queria submeter à tributação.

Foram realizadas diversas operações fiscais, sendo marcantes e decisivas as dos anos de 2009 e 2010, denominadas “Operação Caçador”, “Operação BY-PASS” e “Operação DESTAQUE”, em uma sequência temporal e de ações que culminaram em obtenção das provas dos crimes praticados, seus autores e os beneficiários. Foram realizadas diversas prisões e empresas que praticavam os crimes tiveram seus credenciamentos cassados, havendo uma verdadeira limpeza no mercado catarinense.

A partir destes fatos foram implantados controles mais rigorosos por meio do ECF do Conv. ICMS 09/09, seguro contra fraudes, por meio do PAF-ECF e por meio dos dados do cartão de crédito/débito. Foram 10 anos de resultados excepcionais na arrecadação do setor varejista, aqui incluído o setor de combustível que implantou o melhor controle do país com a tecnologia do ECF e do PAF-ECF. Os nossos números não mentem!

Mas nosso mar calmo, com nossos controles eficientes e resultados expressivos na arrecadação começa a ganhar “marolinhas”, que aos poucos viraram uma marola e as ondas gigantes de Nazaré se aproximaram da ilha da magia.

Não, não houve nenhum abalo sísmico no oceano, o que ocorreu foi a chegada da NFC-e em 01 de março de 2013, com a primeira emissão no estado do Amazonas, fruto de um trabalho iniciado em 2011 pelo ENCAT, cujas premissas são: 1 – nenhum hardware no processo de autorização e 2 – nenhum requisito para o software emissor, ou seja, tudo oposto ao que implantamos com sucesso no controle do varejo catarinense.

A pressão para mudarmos do ECF e PAF-ECF para NFC-e foi intensa, e aqui destaco o importantíssimo papel de fiéis escudeiros realizado pelo Diretor Carlos Roberto Molim e pelo Gerente de Fiscalização Francisco de Assis Martins, que sofreram as pressões, mas não cederam, pois confiavam no trabalho realizado pelo GESECF (agora GESAC) e não tinham motivos para pôr em risco a excelente arrecadação do varejo.

Mas quais são estes riscos? A NFC-e é um documento eletrônico que é emitido por um programa emissor e autorizado pela Sefaz Virtual do Rio Grande do Sul – SVRS, tudo em tempo real, tudo on line, e logo após a autorização, muito rapidamente os dados estarão no nosso S@T. Até aqui tudo bem, funcionando como projetado, mas o problema é se não houver a comunicação entre o programa emissor e a SVRS, por qualquer motivo. Aqui entra em cena a autorização em contingência, que é uma forma encontrada pelo ENCAT para não parar a operação realizada no varejo, emitindo-se a NFC-e em Contingência, recebendo o pagamento e vendendo a mercadoria.

Então tudo certo! Não, aqui é que mora o perigo, pois a partir deste momento estamos dependendo de uma ação da empresa que emitiu a NFC-e em Contingência para enviá-la à SVRS, caso contrário, não receberemos este documento.

E vejam, a falta de comunicação entre o emissor e a SVRS pode ser forçada pelo contribuinte, de forma doloso, para evitar que a NFC-e chegue ao fisco. Lembram da fraude no ECF, com a prática doloso de alterar o harware e o software básico? Se adotarmos o modelo nacional da NFC-e, estaremos voltando no tempo e vamos proporcioná-los a livre escolha de quanto do seu faturamento querem submeter à tributação.

Recentemente, o estado do Mato Grosso divulgou uma operação para identificar e combater esta fraude, que até então era apenas discurso solitário do fisco catarinense apontando falha no projeto.

A Secretaria de Estado da Fazenda de Mato Grosso deflagrou na manhã desta terça-feira (01.12), a Operação Contingência I. O objetivo principal da operação é dissuadir os contribuintes que sonegam impostos, prática que gera grandes prejuízos à sociedade e desequilíbrio na concorrência.

(…)

A Operação Contingência I é resultado das investigações realizadas pelas unidades de inteligência e fiscalização da Secretaria Adjunta da Receita Pública e tiveram início partir da análise das reclamações apresentadas pelos cidadãos por meio do aplicativo móvel do Programa Nota MT.

(…)

Destacaram-se, entre os motivos de reclamação, as denúncias de estabelecimentos que forneciam a nota fiscal “em contingência”, mas que essa compra não se revertia em cupons para sorteio no Programa. Essa prática, quando confirmada, materializa que o contribuinte deixou de solicitar à Sefaz a autorização de notas fiscais (NFC-e), acarretando redução do montante do ICMS devido.

(…)https://www.folhamax.com/economia/estado-investiga-rede-de-mercados-por-enganar-clientes-e-sonegar-impostos/282631

De plano podemos concluir que há sim a prática de cortar a comunicação entre o programa emissor e a Sefaz autorizadora, corroborando com nosso discurso de uma década. Em segundo lugar, somente identificaram a fraude a partir das reclamações apresentadas pelos clientes compradores pois não encontravam estes documentos no programa de “cidadania” fiscal daquele estado, o que cria uma dependência entre o cidadão e o fisco, voltando a era do “fiscal do Sarney”. Por derradeiro, como o programa emissor não tem regra nenhuma e não tem nem mesmo obrigação de credenciamento, como identificar, a partir da materialidade do crime praticado, a sua autoria? E como fica a aplicação da lei penal nº 8.137/90 em relação ao crime previsto no inciso V do artigo 2º?

“V – utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa aquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública”.

Por isso, como o trabalho de nosso fisco é voltado de plano à prevenção dos atos delituosos, a ordem em Santa Catarina foi a de continuar a utilizar o ECF e o PAF-ECF nas operações varejistas até que tenhamos uma solução de baixo custo, segura e eficiente para impedir que a emissão em contingência esteja nas mãos do contribuinte.

Foram quase dois anos buscando uma alteração na legislação que nos permitisse quebrar as premissas do projeto da NFC-e, a fim de desenvolvermos nossa solução de hardware e software, que nos desse a mesma segurança alcançada em vinte anos de trabalho.

Somente em 2018 conseguimos esta autorização legal, por meio da seguinte alteração no Ajuste SINIEF 19/16.

Ajuste SINIEF 15/2018

“§ 7º à cláusula quarta do Ajuste SINIEF 19/16 – O Estado de Santa Catarina poderá exigir que a emissão e a autorização da NFC-e, modelo 65, seja realizada por meio de equipamento desenvolvido e autorizado para uso fiscal, comandado por meio de programa aplicativo desenvolvido por empresa credenciada pela respectiva Administração Tributária.”

A partir de então fomos em busca de uma solução e encontramos em projeto proposto pelo Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC. Trata-se do Dispositivo Autorizador Fiscal – DAF, cujo contrato nº 001/2020 – Processo SEF 17467/2019 prevê todos os requisitos e etapas para o seu desenvolvimento.

De forma resumida, podemos dizer que haverá uma troca de “conversa” entre o programa emissor, que em Santa Catarina será denominado PAF-DAF, e o dispositivo DAF. Neste processo, haverá uma “marca”, uma “assinatura” do DAF no XML da NFC-e antes de seu envio à SVRS. Se chegar à SVRS algum XML proveniente de Santa Catarina sem esta “marca/assinatura” haverá imediata rejeição. Chegando correto o XML, a SVRS autoriza a NFC-e e envia os dados ao S@T, que será responsável por validar aquela “marca/assinatura”. Mas e se não houver a comunicação entre o PAF-DAF, que é o emissor, e a SVRS, que é a autorizadora?

Aqui está o nosso diferencial, a nossa segurança contra a fraude realizada no MT e quem sabe nas demais unidades da federação. A informação do XML da NFC-e fica armazenada no DAF e somente será apagada após a sua efetiva autorização. Quando houver a emissão em contingência em Santa Catarina, não estará nas mãos do empresário enviar ou não enviar posteriormente à SVRS, pois já estará na memória do DAF aguardando esta autorização para posterior apagamento. Concluindo, todas as NFC-e emitidas em Santa Catarina chegarão na base do S@T e estarão sujeitos à tributação.

Então somente aquelas famosas vendas sem emissão de documento fiscal nenhum continuará existindo? Sim, por isso é fundamental a continuidade de um controle rigoroso na empresa que fornece o programa aplicativo fiscal e regras para o seu desenvolvimento. Isto ocorrerá para o nosso PAF-DAF, pois a venda sem emissão de documento fiscal será controlada por este programa e de alguma forma conheceremos esta prática delituosa por meio das regras a serem desenvolvidas.

O projeto DAF tem data contratual para ser finalizado em março de 2022, motivo pelo qual a SEF/SC, por meio do seu grupo especialista setorial GESAC, desenvolveu uma fase de transição que está prevista nos seguintes dispositivos legais:

1 – DECRETO Nº 555, DE 13 DE ABRIL DE 2020

2 – DECRETO Nº 864, DE 24 DE SETEMBRO DE 2020

3 – ATO DIAT Nº 38/2020

4 – ATO DIAT Nº 53/2020

Por regra geral, o contribuinte varejista catarinense continua obrigado a utilizar o ECF e o PAF-ECF, entretanto, excetuando o varejista de combustíveis líquidos, estes dispositivos legais lhes autorizaram a optar pela emissão da NFC-e, desde que a contingência seja realizada pelo equipamento ECF (TTD 706) ou seja realizada pelo PAF-NFC-e (TTD 707), sendo que o programa emissor tem regras especiais e controladas pelo fisco e a empresa desenvolvedora é credenciada na SEF/SC.

Esta autorização precária perdurará até a entrada em vigor de norma que obrigue o uso do Dispositivo Autorizador Fiscal – DAF, que se espera, sendo otimista, para meados do ano de 2022 e sendo realista para início de 2023.

Mas enquanto não chegar o DAF, nossa contingência estará controlada, reduzindo em muito a possibilidade de a fraude ser praticada como ocorreu no estado do Mato Grosso.

O nosso rigor no controle do varejo praticado em duas décadas proporcionou a diversos grupos especialistas setoriais realizar trabalhos com as informações do ECF e do PAF-ECF que proporcionaram controles preventivos do crime de sonegação fiscal, assim como lhes permitiu tomar decisões de trabalhos com metas audaciosas de arrecadação, quase sempre alcançadas e em muitos casos até ultrapassadas.

Recentemente, por que não dizer, exatamente no dia que escrevo este artigo, 11 de dezembro de 2020, recebo um email contendo  o Correio Eletrônico Circular SEF/DIAT/N.º 28 / 2020, com o seguinte comunicado.

Comunicamos que a partir de 01/01/2021 os produtos previstos no Anexo 1-A do RICMS/SC-01, abaixo relacionados, serão excluídos do regime de substituição tributária do ICMS nas operações internas e nas interestaduais com destino ao Estado de Santa Catarina:

– Seção III – Bebidas Alcoólicas, exceto cerveja e chope

– Seção XIV – Medicamentos de uso humano e outros produtos farmacêuticos para uso humano ou veterinário

– Seção XIX – Produtos de perfumaria e higiene pessoal e cosméticos

E esta foi uma constância nos dois últimos dois anos, produtos sendo excluídos do regime de ST, o que tem proporcionado aumento na arrecadação, pois o preço efetivamente praticado no varejo é superior ao preço presumido como base de cálculo para a ST.

Mas sabemos que o controle da ST se aplica a poucos contribuintes e o controle do varejo é pontual em cada fato gerador realizado, e teríamos que ter um verdadeiro “exército” de auditores para fiscalizar estas operações. Sim se o controle realizado no varejo fosse frágil ou inexistente, mas como temos um controle que transfere das mãos das pessoas para a automatização do contribuinte, com hardware seguro e eficiente e software com regras claras e registros que deixam rastros na sonegação praticada e potencialmente exposto o seu autor às penas privativas de liberdade, isto proporciona ao Secretária da Fazenda tomar medidas corajosas e inéditas, pois confia nos controles praticados pelos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Santa Catarina.

Rogério de Mello – Auditor Fiscal da Receita Estadual de SC