Os valores dos softwares integram a base de cálculo do ICMS?

O presente artigo tem como objetivo dar continuidade[1] à análise das decisões proferidas pelo Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT-SP) acerca da tributação de “softwares fornecidos em conjunto com hardwares”, em vista da controvérsia sobre a possibilidade de inclusão dos valores relativos ao software na base de cálculo do ICMS, com fundamento no artigo 37, § 1°, item 5, do RICMS/SP[2].

Foram analisados 24 acórdãos sobre a matéria, tendo 10 deles sido prolatados pela Câmara Superior do TIT/SP. Apenas cinco destes julgados foram favoráveis ao contribuinte, com a determinação do cancelamento da cobrança do ICMS, sendo que três foram posteriormente reformados.

Antes de adentrar nas conclusões exaradas pelas Câmaras Julgadoras do TIT/SP, vale observar a definição de software, que, conforme estabelece o artigo 1º da Lei Federal nº 9.609/98, consiste em um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada a ser interpretado por um suporte físico com o objetivo de executar tarefas específicas, ou seja, de forma geral, o software é a parte lógica que visa fornecer instruções para o hardware, que, por sua vez, é a parte física de um computador.

Posto isso, verifica-se que os primeiros julgados sobre o tema proferidos em âmbito administrativo se utilizaram do ultrapassado entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), exposto nos autos do RE nº 176.626/SP, de que a incidência do ICMS recairia unicamente sobre os softwares de prateleira (padronizados), de forma que os softwares por encomenda (individualizados ou customizados) seriam tributáveis pelo ISS (Câmara Superior: Autos de Infração e Imposição de Multa (AIIMs) 3.049.957-4 e 3.136.519-0; Câmaras Baixas: AIIMs 3.151.078-4, 4.030.054-7 e 3.142.784-4). Dessa forma, definiu-se, nesse primeiro momento, que a incidência do imposto estadual sobre os softwares vendidos em conjunto com hardwares dependeria da sua classificação como padrão ou personalizado.

Atualmente, as mencionadas razões de decidir não se mostram mais compatíveis com a evolução jurisprudencial da Corte Suprema, na medida em que, em 18/02/2021, o STF decidiu, no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nºs 1.945 e 5.659, que o licenciamento do direito de uso de software — seja por encomenda, seja de prateleira — está sujeito ao ISS, e não ao ICMS, independentemente da sua forma de disponibilização.

A partir dessa definição, para justificar a inclusão dos valores obtidos com o software “vendido” em conjunto com o hardware no campo de incidência do ICMS, os acórdãos mais recentes do TIT/SP se pautaram nas premissas de que, sem a utilização do programa de computador (software), o equipamento (hardware): (i) não se prestaria às suas funções básicas e gerais para a qual foi concebida originalmente e (ii) não teria nenhuma utilidade para o adquirente (ou, ao menos, teria a sua utilidade substancialmente reduzida).

Em outras palavras, no entender do tribunal administrativo, sendo comprovado o caráter conjunto e indissociável de software e hardware, seria devido o ICMS e a sua base de cálculo compreenderia o valor total da transação comercial, pois ambos seriam componentes de um único equipamento. Nesse sentido, foram identificados os seguintes julgados do TIT/SP: (i) Câmara Superior (AIIMs 3.032.179-7, 3.070.804-7, 4.115.253-0 e 3.127.486-9); e (ii) Câmaras Baixas (AIIMs 4.025.130-5, 3.050.521-5 e 4.082.072-5 e 4.120.709-9).

Em que pese seja questionável o posicionamento que vem se consolidando no âmbito do TIT/SP, haja vista a existência de negócios jurídicos distintos, conforme racional exposto anteriormente, a cobrança do ICMS deveria ser afastada nos casos em que (i) o software tem como objetivo promover atualizações e melhorias (update e/ou upgrade) das funções básicas do programa embarcado no equipamento; e (ii) o acesso, a precificação, a cobrança e o suporte do software são individualizados e independem da comercialização do equipamento.

Essa conclusão faz ainda mais sentido diante da nova geração de softwares, visto que a forma tradicional de licenciamento de uso dos programas de computador através de um suporte físico ou até mesmo via download vem perdendo força para o modelo de negócio arquitetado em nuvem, por exemplo. Neste caso, o usuário adquire uma licença de uso temporária — e não perpétua — mediante pagamento de taxa que possibilita o acesso ao programa diretamente pela internet, sem a necessidade de instalação do programa em seu equipamento.

Considerando que o software em nuvem não é instalado no equipamento, não haveria o que se falar em inclusão dos valores cobrados pelo licenciamento do direito de uso de um programa — em que sequer há transferência de titularidade — no campo de incidência do ICMS, principalmente se analisarmos a redação do artigo 37, § 1º, item 5, do RICMS/SP, utilizado como base legal nas autuações fiscais, que inclui na base de cálculo do imposto “a importância cobrada a título de montagem e instalação, nas operações com máquina, aparelho, equipamento, conjunto industrial e outro produto, de qualquer natureza, quando o estabelecimento remetente ou outro do mesmo titular tenha assumido contratualmente a obrigação de entregá-lo montado para uso”.

Assim, nas situações em que o software não é parte integrante do hardware (ou quando sequer há um hardware para se considerar), as bases de incidência tributária deveriam ser segregadas, de forma que o software seja tributado, única e exclusivamente, pelo ISS, considerando o seu enquadramento na atividade de licenciamento prevista no item 1.05 da Lei Complementar 116/03[3], e não pelo ICMS.

Nessa toada, cita-se o julgamento de 10 de novembro de 2020, em sede de Recurso Ordinário (AIIM nº 4.115.253-0), no qual a 1ª Câmara Julgadora do TIT/SP, por unanimidade, nos termos do voto da juíza relatora SULAMITA SZPICZKOWSKI ALAYON, decidiu que inexiste a “relação de pertencimento” entre os hardwares e os softwares analisados, considerando que “sequer é possível identificar o equipamento destinatário do software” e que os “licenciamentos ali descritos atualizam as tecnologias e as configurações do software constantemente (…) sem a necessidade de troca do hardware”. Nessa mesma linha seguiram também os julgados das Câmaras Baixas referentes aos AIIMs nº 3.127.486-9, nº 3.070.804-7 e nº 3.006.779-0.

O referido posicionamento foi, no entanto, reformado pela Câmara Superior do TIT-SP em 28 de junho de 2022, em decisão que, por maioria de votos (12 a 4), deu provimento ao recurso especial fazendário e restabeleceu a cobrança do ICMS. A juíza relatora, Cacilda Peixoto, concluiu em seu voto que “na venda de equipamentos montados e instalados os valores cobrados de montagem e instalação integram a base de cálculo da mercadoria vendida, uma vez que tais bens precisam estar prontos para uso. O fornecimento de “software básico” para o funcionamento dos equipamentos transmissores de comunicações telefônicas sujeita-se à incidência do ICMS, integrando a base de cálculo da mercadoria vendida.”

O fundamento utilizado, relativo ao caráter indissociável do software ao hardware, não considerou as características do caso concreto, na medida em que o software em questão apenas possibilitava o desenvolvimento das potencialidades adicionais desejadas pelo comprador, não se tratando de programas básicos e essenciais ao funcionamento do equipamento.

Em voto de vista, o juiz Edison Aurélio Corazza consignou que as decisões apresentadas como paradigmas “partem do fato de que os softwares foram vendidos como parte integrante dos equipamentos, o que não se dá aqui, nos termos da decisão recorrida.” Nesse sentido, concluiu pela impossibilidade de conhecimento do recurso especial da fazenda, tendo sido vencido nesse ponto.

Logo, apesar do entendimento do estado de São Paulo esboçado por meio da Resposta à Consulta Tributária nº 24.762/2021[4], ratificado pelo entendimento da Câmara Superior do TIT-SP desfavorável aos contribuintes no AIIM nº 4.115.253-0, entendemos que, nos casos específicos em que o software não for parte integrante e indissociável do equipamento vendido, os valores pagos a título de licenciamento não deveriam ser tributados pelo ICMS, incidindo somente o ISS na operação, ainda que o software seja fornecido em conjunto com o hardware.

Autoria:

Bruna Almeida Santos – Pesquisadora do “Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT – NEF-FGV/SP”. Pós-graduada em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Advogada.

Coordenação:

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Lina Santin

Via Jota