char

*Charles Alcantara

Frutas e verduras nas feiras, proteína e mantimentos nos supermercados, medicamentos e oxigênio nos postos e hospitais, ambulâncias para socorrer enfermos graves, transporte escolar, transporte coletivo urbano, produtos químicos para tratamento de água potável para as populações, transporte aéreo, funcionamento de termelétricas.

A lista é interminável.
As sociedades modernas entram em colapso sem os combustíveis fósseis, não por acaso há muito batizados de ouro negro. Na verdade, a associação ao ouro nem faz jus à importância do petróleo para a existência humana.
Há alguns dias, os caminhoneiros (neste texto não analiso o caráter do ato: se greve ou locaute ou ambos) ministram uma dose ainda pequena do caos, e o Brasil já sente o amargor insuportável no seu cotidiano.
A dose ainda é pequena, creiam.
Imaginem se, em razão do bloqueio, as companhias de saneamento não dispusessem dos produtos químicos para o tratamento da água que abastece as grandes cidades?
Imaginem se os hospitais deixassem de receber os tubos de oxigênio?
Imaginaram?
Pois é.
Agora dá pra entender por que esse tipo de recurso – os combustíveis – não pode ser comparado a qualquer outro?
Pode faltar pão e tomate, mas não pode faltar óleo diesel, gasolina e gás de cozinha.
Quase todos os conflitos, golpes, invasões de território e guerras civis ao redor do planeta têm o petróleo como causa.
Os Estados Unidos da América, maior consumidor mundial de derivados do petróleo está por trás (pela frente, pelos lados, por cima e por baixo) da guerra pelo controle desse recurso estratégico. Por ele – o petróleo – os EUA invadem e ocupam territórios, financiam milícias e exércitos paramilitares, financiam golpes contra governos eleitos.
É o que está em jogo neste exato momento no Brasil, que fez a maior descoberta mundial de petróleo do século XXI.
Os caminhoneiros, porque vítimas de uma jornada de trabalho desumana e submetidos à exploração quase escravagista por parte das grandes empresas, não dispõem das informações que lhes permitam compreender o porquê o preço do óleo diesel disparou nas bombas nos últimos meses.
Vítimas da superexploração – isto vale para os pequenos proprietários de caminhões asfixiados em financiamento – tornam-se presas fáceis da narrativa de que a causa de seu flagelo é o imposto cobrado sobre os combustíveis.
É claro que os impostos são uma parte importante do problema, mas estão longe de ser a causa dessa disparada.
Destituídos de lideranças capazes de enxergar a causa e de defender à altura os seus interesses, os caminhoneiros tendem a ser representados pelo patronato nas conversas com o governo.
E o que o patronato quer?
Tão somente reduzir os impostos e maximizar os seus lucros.
O patronato quer menos Estado e mais mercado.
O grande patronato do setor de transporte está disposto a renegociar a tabela de frete em favor dos caminhoneiros?
Não!
Está questionando a nova política de preços praticada pela Petrobras, atrelada às regras internacionais e submetida aos interesses dos acionistas estrangeiros?
Não!
Tudo o que foi negociado até agora com os representantes dos caminhoneiros resultará em mais sacrifícios para a população brasileira, porque importará em cortes do orçamento público, por meio de redução de impostos e desembolso bilionário de compensação financeira em favor, não da Petrobras, mas dos seus acionistas minoritários, a maioria ianque.
A mudança da política de preços não está sendo sequer considerada nas negociações, tanto por parte do governo, quanto por parte dos representantes dos caminhoneiros.
A cobertura jornalística sobre o movimento tem resumido a crise à questão tributária, o que dificulta o debate público informado sobre os malefícios da lógica de mercado imposta pelo comando de uma empresa, que é estatal e que, portanto, deveria defender o interesse nacional.
Reduzir a capacidade do Estado brasileiro de prover e melhorar os serviços públicos, em benefício inclusive dos caminhoneiros e de suas famílias, isso pode.
Vale destacar que PIS e Cofins financiam a Seguridade Social, ou seja, a previdência, a assistência social e a saúde de dezenas de milhões de brasileiros.
Reduzir os lucros bilionários de acionistas minoritários, isso não pode.
Petróleo não é pão e nem tomate.
Petróleo é recurso vital para a civilização.
Porque não é pão e nem tomate, subordinar o petróleo à lógica do lucro, às regras do tal mercado, é um ato criminoso de lesa-pátria.
Feliz a nação que conquistou autossuficiência energética.
Desgraçada a nação que, tendo conquistado autossuficiência energética, entrega os seus recursos ao mercado.
A crise dos combustíveis não tem a ver exatamente com impostos, mas com os impostores que quererem igualar petróleo a pão e tomate.

*Presidente da Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital)

Via Fenafisco