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BA, MS e PI se baseiam em decisões do STF para manter percentuais elevados até o fim de 2023

Pelo menos três estados brasileiros possuem alíquotas de ICMS sobre energia e telecomunicações superiores às praticadas em operações em geral. Bahia, Mato Grosso do Sul e Piauí se baseiam em decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) para manter os percentuais elevados até o final de 2023.

O cenário é de um verdadeiro nó envolvendo Legislativo e Judiciário: apesar de a Lei Complementar 194/22 definir energia e telecomunicações como essenciais, não podendo ser tributados a uma alíquota superior à modal, o STF modulou os efeitos das ADIs por meio das quais foram declaradas inconstitucionais as alíquotas majoradas sobre os serviços. Há a permissão, por parte do Supremo, para que as unidades federativas mantenham as alíquotas elevadas até o final de 2023.

Para elucidar o cenário, o melhor caminho é traçar uma breve linha do tempo dos embates envolvendo ICMS, energia e telecomunicações.

A decisão do Supremo motivou a Procuradoria-Geral da União a ajuizar 26 ações contra leis estaduais que previam alíquotas majoradas de ICMS aos serviços. As ADIs foram analisadas ao longo de 2022, e os ministros aplicaram a elas o resultado do RE: declararam as normas inconstitucionais, mas modularam as decisões para que elas tenham efeito a partir de 2024. Na prática, o STF permitiu que as unidades federativas mantenham as alíquotas majoradas até o final de 2023.

Em junho de 2022 foi publicada a LC 194, que prevê que telecomunicações e energia são itens essenciais. A norma proíbe, assim, a tributação acima da alíquota modal.

No mérito a LC 194 e o posicionamento do STF são convergentes ao definirem energia e telecomunicações como essenciais. Para preservar o caixa dos estados, porém, o Supremo jogou os efeitos da sua decisão para 2024, possibilitando a cobrança da alíquota majorada nesse meio tempo.

É com base na modulação das ADIs que Bahia, Mato Grosso do Sul e Piauí editaram normas no final de 2022 estabelecendo, até 31 de dezembro de 2023, alíquotas de ICMS sobre energia e telecom em patamar superior às operações em geral.

No caso do Piauí, por meio da Lei Complementar 269/22, as alíquotas dos serviços foram estabelecidas em 27%. Em Mato Grosso do Sul, segundo o Decreto 16.073/22, e na Bahia, de acordo com o Decreto 21.796/22, os percentuais são de 25%.

A posição das unidades federativas, porém, gerou um questionamento: decisões do STF estão acima de leis complementares? A resposta divide opiniões.

Para o advogado Igor Mauler Santiago, sócio do Mauler Advogados, a decisão do Supremo deve prevalecer por duas razões. A primeira delas é o fato de a modulação ter como objetivo manter a receita dos estados até o final de 2023.

O segundo motivo é não haver dispositivo na Constituição que respalde a fixação de alíquotas máximas de ICMS a energia e telecomunicações. “A única previsão nesse sentido é o art. 155, parágrafo 2, V, b, que prevê resolução do Senado Federal, e não lei complementar, e se aplica somente em caso de conflito entre Estados, que não parece haver aqui.”

A advogada Nina Pencak, sócia do Mannrich e Vasconcelos Advogados, por outro lado, salienta que não há decisão do STF suspendendo a eficácia da LC 194. A norma é questionada na ADI 7195, porém não houve liminar deferida e o julgamento ainda não foi iniciado.

“O legislador, tanto federal como estadual, não está vinculado às decisões do STF, que vinculam, dependendo da espécie de decisão, a administração pública e os órgãos do Poder Judiciário. Então estamos em um momento em que há uma Lei Complementar [194] plenamente em vigor, e em tese os estados teriam que cumprir.”

A existência da LC 194 é citada em algumas das decisões do STF nas ADIs contra leis estaduais. Na ADI 7109 o relator, ministro Gilmar Mendes, afirmou que “não obstante o advento da LC 194/2022, em 23.6.2022, que reconheceu como essenciais os bens e serviços relacionados aos combustíveis, à energia elétrica, às comunicações e ao transporte coletivo, limitando a cobrança do ICMS sobre tais bens e serviços à alíquota praticada para operações em geral nos Estados e Distrito Federal, o Supremo Tribunal Federal segue mantendo seu posicionamento acerca dessa matéria, exarado no julgamento do paradigma da repercussão geral, RE 714.139, Tema 745, inclusive quanto à modulação dos efeitos de sua decisão”.

Há, ainda, outro elemento questionado em relação à majoração das alíquotas. Para especialistas, caso tenha ocorrido em algum momento a efetiva redução dos percentuais, a volta aos patamares anteriores deve obedecer à anualidade e à noventena.

No caso dos três estados citados anteriormente, o Piauí previu a observância aos dois princípios constitucionais. Já Mato Grosso do Sul e Bahia estabeleceram que os decretos que tratam das alíquotas valem a partir de 1º de janeiro de 2023.

Para o advogado Marcelo Jabour, sócio fundador da Jabour Alkmim Sociedade de Advogados, a situação evidencia a crise no federalismo brasileiro. “A decisão do Supremo está adequada, a lei complementar [194] veio em boa hora, é bom que tenhamos a seletividade respeitada, com alíquotas majoradas para o que é supérfluo e minoradas para o que é essencial, porém acho que o timing foi errado, o governo federal não estava em sintonia com os estados”, opina.

O tema pode parar novamente no STF caso haja questionamento judicial. Será, assim, mais um capítulo na novela envolvendo a seletividade do ICMS.

Via Jota